Não façam tiradas, não stressem, há mais vida para lá dos exames

Os pais devem premiar mais o esforço do que os resultados, reduzindo assim a ansiedade dos filhos. E os alunos devem apostar em fazer o melhor que puderem e ficarem felizes por isso, independentemente das notas que tiverem. Eis dois de vários conselhos para mais uma temporada de exames nacionais.

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Os exames do 9.º ano e do secundário arrancam no dia 15 de Junho Enric Vives-Rubio

Duas mesas de esplanada ocupadas por livros, portáteis, dezenas de folhas de apontamentos e quatro jovens em volta. Estão por ali há horas. Fazem resumos, rememoram conceitos em voz alta, trocam perguntas, que são também uma forma de inquietação. Estão na recta final de preparação para os exames nacionais do 9.º ano e do ensino secundário, que se iniciam no próximo dia 15.

“Se o Cesário Verde é o poeta do concreto, o Fernando Pessoa é o quê? O poeta do fingimento?” Por esta altura já deviam saber de cor estas categorias em que a escola encaixa os autores, mas as respostas são tudo menos consensuais. No comboio entre o Cais do Sodré e Cascais também não falta quem ponha questões sobre os conteúdos dos próximos exames. Estão de volta de mais um dia de aulas de revisões, mas não parecem estar ainda completamente seguros nem quanto ao que sabem nem sobre se os conteúdos que decidiram privilegiar serão mesmo aqueles com mais probabilidade de saírem nos exames.

Acontece sempre assim por volta desta altura do ano, quando as provas finais de avaliação passam a dominar o quotidiano de muitos dos cerca de 200 mil alunos do 9.º, 11.º e 12.º ano que são chamados a realizá-las. Valerá a pena tanta ansiedade? A pediatra Júlia Guimarães tem um recado a dar-lhes: “Façam o melhor possível, mas mantenham os padrões de rotina, não esquecendo os tempos livres. E não façam tiradas [muitas horas seguidas a estudar], porque geralmente não dão bons resultados.”

Mas esta especialista em neurodesenvolvimento e professora da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto dirige-se também aos pais e docentes, sobretudo aos dos alunos do 9.º ano. “Devem aprender a valorizar o esforço e não os resultados da avaliação final. Nesta faixa etária (14/15 anos), é esta a pedra de toque”, diz ao PÚBLICO, frisando de seguida que as famílias “são o principal factor de ansiedade”. “Tendem a colocar a fasquia muito alta e muitos destes alunos não conseguem chegar lá, o que tem consequências no seu desenvolvimento emocional”, alerta. O que fazer então? “Reconheçam a capacidade de esforço das crianças”, insiste.

Comer e dormir

Fechem então os olhos e respirem fundo. Não vale a pena stressar. Ajudem-se a vós próprios, evitando o que muitas vezes optam por fazer nesta época. Por exemplo, aconselha a nutricionista Joana Nogueira, não se esqueçam de comer. Pelo contrário, devem fazê-lo “de três em três horas, porque o organismo necessita de alimentos que contenham nutrientes essenciais”. Já os “jejuns prolongados poderão proporcionar sintomas de fadiga extrema como tonturas, dificuldade de raciocínio e desmaios”. Ou seja, tudo o que não convém ter habitualmente e muito menos agora.

Há que saber escutar o corpo e este, em épocas de estudo intensivo, tem necessidade de uma “hidratação ainda maior, principalmente após noites de pouco descanso”, diz Joana Nogueira, acrescentando que, “no mínimo, se deve beber um litro e meio de água ao longo do dia, assim como ingerir outros líquidos como sopa e chá, sem adição de açúcar”. Alerta ainda para as consequências da falta de horas de sono, que também é característica desta época: “O descanso insuficiente pode levar a dificuldades de concentração e memória. O cérebro precisa de se regenerar e, para isso, para além de dormir bem, deve-se igualmente evitar bebidas estimulantes ricas em cafeína, como os refrigerantes e o café, que podem conduzir a estados de nervosismo, ansiedade e stress.”

Já se sabe que os exames contam para a conclusão do 3.º ciclo e do secundário e, neste nível de ensino, são sobretudo a válvula que pode garantir o acesso ao ensino superior ou travá-lo. Mas os exames são também “olhares externos, de um só dia, sobre parte do que foi acontecendo durante muitos dias”, descreve a professora de Português Antonieta Ferreira. Não será por isso que perdem relevância, frisa esta docente da Escola Secundária Rainha Dona Amélia, em Lisboa: “Os olhares de fora são importantes, vêem com outros olhos.”

Sendo que os exames “tiram retratos, fotogramas de um filme longo", o segredo é prepararmo-nos para a fotografia. "Sabendo que o filme é que conta a história toda, mas que no dia da fotografia queremos estar bem, porque todos gostamos de conseguir fazer bem, como o conseguimos?”, questiona Antonieta Ferreira. “Estudando como se fossem professores”, aconselha a docente.

"Usem uma forma de estudo poderosíssima: explicamos a matéria, desmontamos os assuntos, voltamos a explicar, experimentamos relacionar temas, descobrimos ligações novas, anotamos, corrigimos, perguntamos, avaliamos, respondemos, pesquisamos, olhamos para o que acontece no mundo e voltamos a perguntar, escrevemos, esquematizamos, lemos, discutimos, convencemos e somos convencidos, reconsideramos e voltamos a explicar...”

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Este ano serão cerca de 200 mil os alunos do 9.º, 11.º e 12.º ano chamados a exame Rui Gaudêncio

Momentos de um processo maior

A professora de Psicologia Educacional da Universidade de Lisboa, Dulce Gonçalves, revela que conhece uma aluna de nove anos que, quando se apercebeu que o exame do 4.º ano [já extinto] ia ser nacional, “se sentiu incapaz de lidar com o desafio e desistiu”.

“Tal como uma equipa habituada a competir nos regionais teme uma competição nacional, alunos assim perdem ou ganham peso, perdem o sono, podem perder completamente o cabelo, isolar-se ou deprimir”, refere. Estão dominados pelo “medo de não ser o melhor, de não conseguir a nota máxima, de não estar no topo”. Mas a atitude deve ser outra, frisa.

Qual? “Superar-se! Fazer o melhor! Avaliar o esforço e o trabalho, dar uma nota a si próprio pelo esforço desenvolvido antes de começar o exame, sentir o apoio dos pais pelo trabalho, mais do que pelo resultado”, defende, subscrevendo assim o que a pediatra Júlia Guimarães também defende. 

E por que não ficar feliz?

E também como Antonieta Ferreira, Dulce Gonçalves chama a atenção para o seguinte: “O exame é um momento de um processo de aprendizagem, uma etapa, uma prova. Como na carreira de um atleta. Cada prova superada é uma prova de bom treino. Mas todos os bons atletas se centram mais no esforço e na progressão e menos nos resultados.”

Ou seja, conclui, o exame não deve ser encarado “como uma sentença ou uma fatalidade, porque não é a meta final”, um papel que é ocupado pela aprendizagem. E isto quer dizer que “o exame não me avalia, avalia o que eu lá fizer e, portanto, qualquer que seja a nota vou continuar a aprender e a melhorar”.

É como um mantra que habitualmente é esquecido e que Dulce Gonçalves insiste em repetir. Deste modo: “O resultado final não depende de mim, o esforço sim. Faço o melhor que puder e fico feliz por isso.”

Imaginemos agora que demos um curto salto no tempo e estamos já na véspera dos exames. A nutricionista Joana Nogueira tem algo de concreto a propor para esta data e também para os dias das provas. “Na véspera devem privilegiar alimentos como as bananas, ovos e frutos secos, porque são ricos em triptofano, uma substância anti-stress que ajuda na formação de serotonina e proporciona uma sensação de bem-estar."

Também são aconselháveis "alimentos ricos em ferro, como leguminosas (feijão, grão, ervilhas, lentilhas), espinafres, couves, carne/peixe e arroz ou massa integral, ricos em vitaminas do complexo B, essenciais ao bom funcionamento do sistema nervoso”.

Chegados ao dia do exame, “evitem alimentos ricos em açúcar, para evitar a fadiga rápida e a quebra de raciocínio”. Façam-se sempre acompanhar de uma garrafa de água e, caso o exame tenha uma duração superior a 60 minutos, “tenham à mão alimentos ricos em hidratos de carbono como barras de cereais e fruta”.

Estão, portanto, de novo na escola, não para mais um dia de aulas, mas sim para que testem o vosso desempenho. Antonieta Ferreira deixa uma última pergunta: “Já agora, em que sala é o exame?”

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