Suíça vota rendimento mínimo, Holanda e Finlândia fazem testes

Suíça referenda este domingo um rendimento básico para toda a população que pode chegar aos 2.264 euros e beneficiar os imigrantes portugueses. Holanda e Finlândia vão experimentar

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Christian Hartmann/Reuters

A Suíça é o primeiro país a votar a criação de um Rendimento Básico Incondicional para garantir a todos os cidadãos um rendimento básico que permita assegurar a subsistência. Não se trata de um regime de prestações sociais, porque não está condicionado a uma situação de fragilidade económica. O referendo, que acontece este domingo, 5 de Junho, foi proposta por 100 mil subscritores. A mais recente sondagem, encomendada por vários jornais suíços e divulgada no final de Abril, concluiu que, a nível nacional, 40% dos inquiridos tencionavam votar "sim", quase o dobro dos que o diziam no princípio do ano. 

Os promotores do Rendimento Básico Incondicional (RBI) sustentam que a medida se enquadra no princípio fundamental do direito à vida e justificam a sua necessidade com a crescente eliminação de postos de trabalho devido ao desenvolvimento tecnológico. O conceito, surgido em obras de pensadores humanistas do século XVI e relançado ao nível europeu a partir dos anos 1980, é apresentado pelos que o defendem como "praticamente sem custos" e gerador de novas dinâmicas sociais e laborais.

A forma de financiamento não é especificada na proposta a referendo, que estipula que o RBI deve ser regulado pela lei ordinária, mas os promotores avançam várias hipóteses e estimativas. Na Suíça, estimam, o RBI deve ter o valor de 2.500 francos suíços (2.264 euros) por adulto e de 625 francos suíços (566 euros) por criança. O valor sugerido tem em conta factores como o elevado custo de vida na Suíça.

No último índice da revista "The Economist" sobre as cidades mais caras do mundo, Zurique e Genebra estão no segundo e quarto lugares, à frente de Nova Iorque, Paris ou Londres. Com aquele valor, e tomando como universo todos os cidadãos suíços, o RBI representaria anualmente uma despesa de 208 mil milhões de francos (188 mil milhões de euros), um pouco mais de um terço do Produto Interno Bruto (PIB).

"A questão não é onde arranjar o dinheiro, mas como fazer uma repartição justa de um terço do dinheiro existente", sustentam. Numa primeira fase de aplicação da medida, admitem os promotores, pode subtrair-se ao universo total aqueles cidadãos cujos rendimentos são iguais ou superiores aos 2.500 francos do RBI, que seria pago sobretudo às crianças, aos "trabalhadores pobres" e aos pais que ficam em casa para cuidar dos filhos.

Por outro lado, sustentam, deve ser tida em conta a poupança conseguida em várias prestações sociais que se tornariam redundantes por serem de montante inferior ao do RBI — bolsas de estudo, abonos de família, entre outros —, um valor estimado de 62 mil milhões de francos (56 mil milhões de euros).

Bom para os portugueses

A aprovação seria "uma tábua de salvação para muitos portugueses em situação precária", reconhecem conselheiros das comunidades. "Muita gente tem vindo para a Suíça e está numa situação apenas de sobrevivência", alerta Domingos Pereira, conselheiro das Comunidades Portuguesas em Zurique.

Domingos Pereira estima que "seguramente" 70% dos mais de 280 mil imigrantes portugueses registados na Suíça beneficiariam de um RBI. A "baixíssima" taxa de desemprego na Suíça não corresponde à realidade, frisa Domingos Pereira, recordando que "o trabalho temporário é uma vertente muito forte e isso quer dizer que as pessoas trabalham à hora, à jornada e, portanto, não havendo trabalho, não há ordenado".

Segundo o conselheiro das comunidades em Zurique, muitos portugueses estão nessa situação, sobretudo os imigrantes mais recentes, mais vulneráveis. Mas o RBI não se dirige a esses, antes aos que já estão registados no país, de forma a garantir um rendimento mínimo para todos, que substitua os vários benefícios sociais. "Seria uma boa medida para muitas famílias [portuguesas], mais favorável do que uma ajuda da assistência social", compara Domingos Pereira.

"A nossa comunidade é uma comunidade dedicada ao trabalho", corrobora José Sebastião, conselheiro das Comunidades Portuguesas em Genebra. "Homens e mulheres trabalham durante o dia na sua actividade principal e, à noite, ainda se dedicam a atividades secundárias, como as limpezas", relata. "Os portugueses trabalham muitas horas", resume, destacando que "o custo de vida na Suíça é elevadíssimo".

Esta situação, por resultar em falta de tempo para a família, explica os problemas de integração da comunidade portuguesa e a elevada taxa de insucesso escolar das crianças portuguesas, considera o conselheiro. "Os pais, muitas vezes, trabalham muitas horas, não podendo dedicar o tempo necessário aos seus filhos", lamenta. Para além disso, os serviços sociais na Suíça "têm falta de dinheiro" e, em vez de aí gastar "milhares", o Estado passaria a assegurar "um salário base", que permitiria às pessoas "viver minimamente", defende.

Experiências na Holanda e Finlândia

A cidade holandesa de Utrecht prepara-se para lançar um programa piloto para testar o conceito. No entanto, o rendimento não vai ser pago a todos os cidadãos, apenas a um grupo de pessoas que já são beneficiárias de prestações sociais sujeitas a determinadas obrigações. O objectivo é avaliar de que forma a inexistência de condições para receber um pagamento mensal afecta o comportamento das pessoas, nomeadamente se por exemplo se sentem mais motivadas para procurar um emprego. Se for aprovada, a experiência de Utrecht terá a duração de dois anos.

Na Finlândia, a coligação de centro-direita anunciou a intenção de testar a atribuição de um rendimento básico incondicional no país. Segundo a agência governamental que supervisiona os apoios sociais, Kela, o programa visa testar alternativas ao actual sistema de segurança social, explorando nomeadamente a forma de criar incentivos ao trabalho e quebrar a "armadilha da pobreza", em que os beneficiários preferem não aceitar um trabalho cuja remuneração é equivalente ao que recebem da segurança social. Nem na Holanda nem na Finlândia foram ainda definidos os montantes a pagar, estimando-se que variem entre os 800 e os 1.000 euros mensais.

A aplicação concreta de um verdadeiro rendimento básico universal aconteceu apenas no estado norte-americano do Alaska, nos anos 1970. O conceito de um rendimento mínimo foi pela primeira vez referido pelo humanista inglês Thomas Moore na obra "Utopia", publicada em 1516, e desenvolvido pelo humanista e seu maior amigo Johannes Ludovicus Vives. O movimento foi relançado na América do Norte nos anos 1960, em pleno movimento pelos direitos cívicos, e na Europa ocidental em 1986, com a criação da Rede Europeia para o Rendimento Básico (Basic Income European Network, BIEN), com sede em Lovaina, Bélgica, que alterou o seu nome em 2004 para Rede Mundial para o Rendimento Básico (Basic Income Earth Network).

Na Europa, um grupo de organizações lançou em 2013 uma petição para pedir às autoridades da UE iniciativas para a realização de estudos e projectos-piloto de rendimento básico incondicional. No caso português, em que o debate foi relançado em Fevereiro pelo PAN, a petição online é dirigida ao parlamento e foi assinada por mais de 5000 pessoas, ultrapassando o limite mínimo de quatro mil assinaturas para que seja apreciada em plenário.

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