Ex-dirigentes dos comerciantes do Algarve acusados de desvio de mais de 50 mil euros

A associação que representa o comércio tradicional está a investir 2,4 milhões de euros num projecto multimédia, que inclui um estúdio de televisão. A candidatura a fundos comunitários foi ancorada no jornal centenário O Algarve, suspenso há três anos.

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Rui Gaudêncio

Dois antigos dirigentes da Associação de Comerciantes do Algarve (Acral), acusa o Ministério Público (MP), “fizeram seus” a quantia a 57.219 euros durante o mandato de 2009 a 2013. O ex-presidente João Rosado e o antigo tesoureiro Feliciano Rito, em declarações ao PÚBLICO, negam os crimes de peculato que lhes são imputados, alegando que puseram “dinheiro do próprio bolso” para salvar uma associação que só sobrevive à custa do apoio dos fundos comunitários. Os arguidos, entretanto, afirmam que vão requerer abertura da instrução do processo. O actual presidente, Álvaro Viegas, também não se dá por satisfeito com o despacho do MP, embora por outros motivos: “O valor do dinheiro desviado, segundo uma auditoria externa, ultrapassa os 200 mil euros”, justifica.

Na base de alguns dos conflitos e lutas pelo poder na Acral está um projecto multimédia, no valor de 2,4 milhões, resultante de uma candidatura a fundos comunitários, apresentada pela empresa Canal Algarve (detida na totalidade pela Acral). “Quando saímos deixamos candidaturas aprovadas no valor de três milhões de euros”, diz João Rosado, destacando o valor do investimento do Canal Algarve. O que deixaram, contrapõe Álvaro Viegas, “foi um passivo de 1,5 milhões de euros”. Entretanto, há três anos, foi encerrado um dos jornais mais antigos do país (O Algarve, semanário com 105 anos) propriedade da Canal Algarve, e que serviu de âncora para justificar candidaturas a fundos comunitários, em nome das modernas tecnologias de informação e comunicação. Com estes apoios, na próxima semana, informou Álvaro Viegas, vão ser colocados duas dezenas de painéis digitais, com informação turística, nas principais cidades da região

Em 2009, quando João Rosado chegou à presidência da Acral, diz agora o arguido, encontrou uma situação de pré-falência: “Até a sede da Acral estava ameaçada de penhora, pelos credores - tive de pôr dinheiro do meu bolso para não fechar a porta”, enfatiza. Porém, o Departamento de Investigação e Acção Penal do Tribunal de Évora considera que o então dirigente associativo apoderou-se indevidamente de cerca de 22 mil euros. Acusação idêntica é imputada ao tesoureiro, Feliciano Rito , com um valor de 37 mil euros. Os arguidos, acusa o MP, ao mesmo tempo que apresentavam folhas de quilómetros em viatura própria, a título de despesas de transporte e representação, metiam combustível com o cartão de crédito da Acral, que lhes estava distribuído. “Teriam apenas direito a um dos valores”, justifica a acusação.

João Rosado e Feliciano Rito utilizaram as suas contas particulares e de uma outra pessoa amiga do tesoureiro para movimentarem as receitas e despesas da associação. “Foi a forma que se encontrou para evitar o congelamento da conta da Acral”, justifica, em declarações ao PÚBLICO, Feliciano Rito, dizendo-se inocente. “Forneci toda a documentação necessária à Polícia Judiciária para esclarecer essas dúvidas”, sublinha. Por seu lado, o actual presidente da Acral, que entrou em funções há cerca de dois meses e meio, acha “que ainda há muito para esclarecer”. Por isso, adiantou que a associação, na qualidade de assistente, vai também requerer abertura da instrução do processo. 

Quem decidiu acabar com O Algarve foi a anterior direcção, liderada por Victor Guerreiro, justificando que a associação de comerciantes não tinha “vocação para gerir o jornal”. Porém, foi durante o seu mandato que foi efectuado um acordo de parceria com a empresa Media 360 para, em conjunto, investirem 3,3 milhões de euros na área da informação turística, potenciando as candidaturas a fundos comunitários que tinham sido aprovadas. Um dos dois mupis que foram colocados na região, a título experimental, encontra-se no Jardim Manuel Bívar em Faro.  

Álvaro Viegas defende a continuação do projecto multimédia, adiantando que outros equipamentos digitais vão ser instalados em vários pontos da região na próxima semana, tendo já sido adquirido equipamento para a instalação de um estúdio de televisão em Faro. João Rosado comenta: “Não vejo como é que será possível querer fazer um projecto multimédia quando a primeira preocupação da direcção que me seguiu [de Victor Guerreiro] foi fechar a redacção do jornal e despedir os jornalistas”. 

O actual presidente da ACRAL contrapõe que pretende retomar, em breve, a edição de O Algarv”, em versão online, apenas vocacionado para a área da economia. Para isso conta com o apoio do único jornalista que não foi despedido, em 2013, quando o jornal foi suspenso. 

Sobre as contas da associação, Álvaro Viegas elogia a direcção presidida por Victor Guerreiro, que tomou posse em Abril de 2013. “Conseguiu aprovar um plano de recuperação”, sublinha. O Plano Especial de Revitalização (PER), explica, implicou um perdão de metade da divida. Assim, os 750 mil euros que estão por liquidar vão ser pagos em 15 anos, com dois anos de carência. “Começamos a ver luz ao fundo do túnel”, observa.

Capacidade de resistência

Quanto ao futuro do comércio tradicional, Álvaro Viegas acha que o pior já passou. “Aqueles que tiveram a capacidade de resistir à implantação dos grandes espaços, vão continuar”, prevê. No entanto, defende que o empresário local não pode ficar de braços cruzados. “Não vale a pena lamentarmo-nos que outros existem, temos de fazer o nosso trabalho — modernizar, ter uma loja atractiva”, sugere. 

O sucesso das grandes superfícies, diz, “é também responsabilidade dos comerciantes locais. Não faz sentido, no Verão, fechar às 19h00”, exemplifica. Nesse sentido, a Acral em colaboração com a câmara de Faro vai procurar, durante o Verão, dinamizar a baixa da cidade com programas de animação, procurando que os estabelecimentos à sexta-feira à noite estejam abertos até às 23h. 

Quanto à abertura de mais uma grande superfície — o Ikea tem a abertura da primeira fase prevista para Maio de 2017 e o restante complexo comercial para o final do ano — “não creio que o Ikea traga grandes malefícios ao comércio local, o problema são as 220 lojas que lhe estão agregadas — mas temos de transformar a ameaça numa oportunidade”, desafia.

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