Tribunal condena mais de 20 pessoas pelo massacre do Gujarat

Há mais de 14 anos foram mortos num só dia 69 muçulmanos durante a pior onda de violência inter-religiosa desde a independência indiana.

Um dos homens condenados pelo massacre do Gujarat
Fotogaleria
Um dos homens condenados pelo massacre do Gujarat Sam Panthaki / AFP
Fotogaleria
Bombeiros tentam apagar incêndio após os confrontos na cidade de Ahmedabad em 2002 Sebastian D'Souza / AFP

Um tribunal indiano condenou esta quinta-feira 24 pessoas pelo massacre do Gujarat em 2002, durante o qual 69 muçulmanos foram mortos. As famílias das vítimas afirmam estar descontentes com a decisão e prometem recorrer para tribunais superiores.

O caso remonta a 28 de Fevereiro de 2002 quando um grupo de radicais hindus atacou várias dezenas de muçulmanos na cidade de Ahmedabad, no estado do Gujarat (noroeste). Os atacantes incendiaram várias casas de um complexo fechado e esfaquearam quem encontravam, matando 69 pessoas.

O massacre do Gujarat foi um dos mais graves de uma onda de violência religiosa naquele estado em que morreram cerca de mil pessoas, quase todas muçulmanas. Os ataques foram encarados como retaliações pela morte de 60 peregrinos hindus num incêndio a um comboio, atribuído a muçulmanos, e pelo qual, anos mais tarde foram condenadas 31 pessoas.

O tribunal absolveu 36 dos acusados e apenas 11 foram condenados por homicídio, com os restantes a responderem por crimes menores. O juiz declarou não terem sido reunidas provas suficientes para sustentar a acusação de conspiração criminosa.

A condenação, cuja sentença será conhecida na segunda-feira, foi recebida pelos familiares das vítimas com desapontamento. Zakia Jafri, viúva de um deputado muçulmano morto no massacre, disse que foi feita apenas “meia justiça”.

O advogado da maioria das vítimas, S.M. Vohra, saudou a decisão do tribunal do caso que estava em julgamento há sete anos. “Levei 14 anos a provar um crime cometido contra muçulmanos inocentes. A justiça irá sarar as feridas dos sobreviventes dos confrontos”, afirmou, citado pela AFP. Uma das activistas que levou o caso a tribunal garantiu à BBC que vai recorrer da decisão para os tribunais superiores.

Estes episódios — os mais graves de violência inter-religiosa desde a independência indiana em 1947 — ocorreram enquanto o actual primeiro-ministro, Narendra Modi, era o governador do Gujarat. Modi, considerado um nacionalista hindu, foi acusado durante a campanha eleitoral em 2014 de pouco ter feito para ter travado os confrontos e para levar os grupos hindus à justiça. Em 2013, um painel de juízes do Supremo Tribunal decidiu que não havia indícios suficientes para o implicar no caso.

Apesar de ter sido eleito com um programa económico reformista, a vitória do Partido Bharatiya Janata (BJP) foi também alicerçada no discurso divisionista de Modi, que apelou às bases de apoio das franjas da população hindu mais radical. Com um passado recente de lutas sangrentas entre a maioria hindu e a minoria muçulmana, a Índia tem conseguido manter um equilíbrio pacífico entre as duas populações.

Porém, a agenda nacionalista de Modi ameaça reavivar as tensões entre hindus e muçulmanos. Grupos violentos, encabeçados Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS), do qual o líder indiano fez parte, têm visto as suas fileiras aumentar desde a vitória do BJP, escreve a Economist. No ano passado, um criador de gado foi linchado por uma multidão por ter morto uma vaca — um animal sagrado para os hindus. Um estudante foi acusado, este ano, de sedição por ter alegadamente proferido slogans anti-patrióticos.

Modi é acusado de pouco fazer para conter as declarações incendiárias de dirigentes do BJP e até de membros do seu Governo contra a comunidade muçulmana. O deputado Sakshi Maharaj chegou a qualificar o homem que matou o líder da independência indiana Mahatma Gandhi — e que fazia parte do RSS — como um “patriota” e a ministra dos Negócios Estrangeiros sugeriu que o texto sagrado hindu Bhagavad-Gita fosse declarado como “livro nacional”, apesar de a constituição garantir a laicidade do Estado.

Sugerir correcção
Comentar