Estado vende rede IMI e British Hospital a fundo luxemburguês por 16 milhões

A Parvalorem, que gere em nome do Estado os activos tóxicos do BPN, passou as empresas de saúde por cedência de créditos ao fundo de investimento FPB.

Foto
Com o colapso do BPN, a Parvalorem passou a gerir os activos tóxicos da instituição financeira HELDER OLINO

O mais antigo hospital privado em Portugal, o British Hospital, e a rede IMI (Imagens Médicas Integradas), da Galilei Saúde, foram “vendidos” por cedência de créditos esta semana pela Parvalorem, o principal credor, ao fundo de private equity luxemburguês FPB, no quadro do plano especial de revitalização (PER) e com um desconto de cerca de 27%.

A Galilei Saúde pertence à Galilei SGPS, a holding que agrupa os accionistas da antiga Sociedade Lusa de Negócios (SLN), e que se encontra em processo de insolvência, com o Estado a reclamar neste momento créditos de 1050 milhões de euros não colaterizados (ou seja, sem garantias). Com o colapso do BPN, a Parvalorem passou a gerir os activos tóxicos da instituição financeira e passou a reclamar o dinheiro que a Galilei SGPS (na altura SLN) devia ao banco. É neste processo que se enquadra agora o negócio da área de saúde.

O contrato de promessa de cessão (cedência) de créditos celebrado entre a Parvalorem (o credor), a Galilei Saúde (o devedor) e o fundo luxemburguês FPB (o comprador) foi assinado a 13 de Janeiro de 2016: o private equity paga à Parvalorem os créditos que o Estado reclama, com a garantia de os poder converter em capital da Galilei Saúde, que agrega activos como o British Hospital e a IMI, que em 2015 geraram um lucro a rondar os três milhões.

Em causa estão 22 milhões de euros, verba que terá de ser “liquidada” junto do Estado até 2028. Mas se a quantia for integralmente e antecipadamente paga, e se forem cumpridas as condições negociadas, haverá um perdão de seis milhões a reduzir à última prestação. E bastará ao FPB chegar ao acto da escritura e desembolsar 16 milhões no imediato para assumir a totalidade do British Hospital e da IMI.

A viabilidade do acordo estava dependente da aprovação do PER pelos credores, o que se verificou esta segunda-feira, 30 de Maio, no Tribunal do Comércio de Lisboa. Mas o negócio só será fechado depois de um juiz desta instância validar a legalidade do plano de revitalização.

O presidente da Parvalorem, Francisco Nogueira Leite, confirmou a transacção ao PÚBLICO, mas salientou que este dossier da Galilei Saúde está a ser resolvido “no âmbito dos tribunais” e que o Estado “estava numa situação fragilizada” por não ser credor com garantias.

Hospital disputado

Entre Janeiro e Maio manifestaram interesse no British Hospital e na IMI outras entidades. Nesse período, chegaram ao Estado ofertas não vinculativas entregues pela Associação Mutualista Montepio, pela Capital Criativo, pela chinesa Fosun (dona da Fidelidade e dos hospitais Luz) e pela BAS Holding, de António Parente. Mas havia obstáculos. Desde logo porque o comprador já tinha sido encontrado a 13 de Janeiro por entendimento entre a Galilei Saúde e a Parvalorem, decisão que não foi publicitada. Daí que este processo, que tem na base um perdão de seis milhões (de 27%), esteja longe de ser consensual e está a gerar ruído nomeadamente nas empresas envolvidas.

Nogueira Leite explicou a razão por que “não houve um concurso público”: “Judicialmente a cessão de créditos não o obriga, dado que o gestor do PER é o conselho de administração da Galilei Saúde, o dono dos dois activos”, o British Hospitl e a IMI. E evidencia que ao receber as restantes propostas deu conta de que já havia um acordo em curso.

As dívidas totais da Galilei Saúde ascendem a 34 milhões. Aos 22 milhões reclamados pela Parvalorem, sem colaterais, somam-se oito milhões de créditos à Caixa Económica Montepio Geral, que recebeu em penhor as acções da IMI. Ou seja, o custo para o fundo luxemburguês será de cerca de 24 milhões.

Uma história com oito anos

Este é mais um episódio de uma longa história de oito anos, iniciada com a nacionalização do BPN em Novembro de 2008.  Hoje os contribuintes portugueses ainda têm em risco no BPN/SLN à volta de 5000 milhões de euros, sendo que o Tribunal de Contas já deu como perdidos 2700 milhões.

Em 2011, a Parvalorem passou a reclamar da Galilei SGPS (que herdou as dívidas da SLN ao BPN) cerca de 1300 milhões (com juros), dos quais foram entretanto recuperados 250 milhões. Dos 500 milhões reconhecidos, o Estado constituiu garantias sobre 475 milhões. Os restantes 600 milhões dizem respeito a financiamentos do BPN a offshores e a entidades dos seus antigos accionistas, mas que a Galilei SGPS (a cúpula do grupo) não admite como seus. E os processos inundaram os tribunais. Entre os maiores accionistas da Galilei estão Joaquim Coimbra, Alberto Figueiredo e Fernando Cordeiro.

Com a saída do ex-presidente Fernando Lima, em Julho de 2015, a presidência da Galilei SGPS foi assumida por Vasconcelos Cruz. Este viria a solicitar o apoio dos credores para avançar com um PER da holding. Para o aprovar, a Parvalorem exigiu um aumento de capital de 25 milhões e que lhe fosse dado mandato para vender activos. Mas as condições foram rejeitadas pelos accionistas da Galilei SGPS. A falta de viabilidade da empresa e os interesses em jogo justificaram a renúncia de Vasconcelos Cruz quase quatro meses depois de ter assumido as funções. Seguiu-se Gustavo Samouco, que sairia ao fim de três meses.

E a Galilei SGPS acabaria a solicitar a insolvência. Na sequência, e em articulação com a Parvalorem, a Galilei Saúde apresentou por sua vez também um PER com três focos: devolver a empresa ao mercado; capitalizá-la; e assumir uma divida ao Estado de 22 milhões.

E foi neste quadro que Joaquim Esperancinha, Nuno Eduardo Moniz e Pedro Oliveira, gestores da Galilei Saúde, levaram à Parvalorem uma proposta do fundo luxemburguês, FBP. O acordo de cessão de créditos seria firmado a 13 de Janeiro deste ano e aprovado pelos credores na segunda-feira.

À última da hora, a Associação Mutualista Montepio Geral, liderada por Tomás Correia, voltou a insistir com uma proposta de compra do British Hospital e da IMI. E à meia-noite de sexta-feira passada, 27 de Maio, enviou um email para a Parvalorem a revelar que tinha igualmente um acordo com a Galilei SGPS para adquirir os seus activos. Mas a Parvalorem considerou a iniciativa ilegal. O Montepio fez-se representar nestas negociações por José Lemos, da ClearWater, que intermediou a compra pelo Montepio do Finibanco, uma operação polémica de 350 milhões de euros.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários