Adeus, Dubai!

Amanhã de manhã, quando forem nove, abraço a minha irmã pela última vez (outra vez) às portas do aeroporto para, sem olhar para trás, apartarmo-nos um do outro até que Deus queira

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Meia-noite e meia no Dubai, acabámos de fazer a mala, aspirámos o chão e arrumámos o quarto porque amanhã vamos embora, não para Portugal, mas para Londres, para onde fomos há quase nove anos à procura do tal emprego, e para onde amanhã voltamos a partir.

Para trás deixamos a minha irmã, primeiramente emigrada na Alemanha, por terras do Médio Oriente, onde só se consegue sair à rua até às oito da manhã e onde os ares condicionados estão ligados no máximo onde quer que entremos, dentro de casa, nos supermercados e centros comerciais, escolas, meios de transporte e locais de trabalho, a pontos de nos constipar mesmo se lá fora nunca estão menos de 35 graus.

Meia-noite e meia no Dubai e os nossos corpos, cansados, caem em uníssono na cama. Amanhã de manhã, quando forem nove, abraço a minha irmã pela última vez (outra vez) às portas do aeroporto para, sem olhar para trás, apartarmo-nos um do outro até que Deus queira, porque isto de fazer contas ao destino lá fora nunca foi o nosso forte, e a última vez já foi há mais de um ano.

Meia-noite e meia e não consigo dormir, assim como não consigo compreender como é possível encontrar uma irmã, aqui, tão longe de casa. E entretanto esta verdade enraizada no peito de quem sabe como daqui até à morte contamos pelos dedos das nossas mãos juntas, mãos dadas, o número de vezes em que vamos poder estar todos juntos outra vez. Por isso, volta para casa, a mãe está cansada de perguntar por ti, e a mãe está cansada de perguntar por mim, vamos sentar-nos à mesa outra vez depois de mais um dia de escola e fazer de conta que o futuro vai ser sempre este presente que te dou enquanto te puxo a cadeira e tu corres atrás de mim, para desespero de quem fez o jantar, ergo a nossa mãe aos berros a correr atrás de ti a correr atrás de mim, e eu a soltar gargalhadas como um comboio solta fumo, pouca terra pouca terra a correr para lugar nenhum ao redor da mesa. No entanto, bem o sabemos, já não há casa, ou há, mas está fechada onze meses por ano, e se ainda há casa é porque cá fora conseguimos ter o dinheiro para a manter, fechada, a oito mil quilómetros de distância, porque se fosse para viver em Portugal já nem telhado havia, quanto mais o dinheiro para o arranjar...

Meia-noite e meia e amanhã não vou chorar, já não sei se consigo, cansa-me, estou cansado. Uma lágrima nasce-me, quente e já tão cheia de saudade, e jorra do canto do olho ao encontro do lençol da cama. Uma lágrima. E eu que ainda agora prometera não chorar mais.

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