Sistema educativo: o público deve prevalecer sobre o privado

A construção de um ensino gratuito é uma valiosa construção iniciada pelo Marquês de Pombal e, trazendo um pouco mais perto, uma das grandes conquistas do 25 de Abril

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Roman Mager/Unsplash

Nas últimas semanas, rebentou uma polémica envolvendo as instituições de ensino privado com contrato de associação com o Governo. Qual a verdadeira história por detrás desses contratos? O que está de facto em jogo? Será que tudo se resume a montantes? E a revisão dos contratos viola o princípio de liberdade de escolha? O que queremos? Promove igualdade de oportunidades? É a estas questões que nos propomos responder.

A construção de um ensino gratuito é uma valiosa construção iniciada pelo Marquês de Pombal e uma das grandes conquistas do 25 de Abril. Todas as crianças passaram a ter acesso à educação, que até então era privilégio das famílias abastadas. Para a satisfação desse objetivo, construiu-se uma rede nacional de escolas. No entanto, seria uma solução que iria demorar bastante tempo até estar operacional. Era necessária uma solução alternativa. Recorreu-se a colégios.

Todavia, estes aceitam alunos em função do pagamento de uma propina. Como o Estado não era capaz de satisfazer todas as necessidades a que se comprometera com os cidadãos, pagava às instituições do ensino privado para acolherem os alunos que não eram absorvidos pelas escolas públicas existentes. Foi assim que nasceram os tão polémicos contratos de associação.

Hoje, é certo que o Estado ainda não consegue dar uma resposta efectiva. Contudo, já é capaz de providenciar a grande maioria dos meios necessários. Por esta razão, o ministro da Educação decidiu rever (e bem) esses contratos.  

Nada tenho contra colégios e propriedade privada em geral. Sou até favorável à existência de colégios, em nome da liberdade de escolha, mas sem ajudas. Afinal de contas é propriedade privada e, como tal, deve sujeitar-se às leis que regem o mercado.

Má gestão

Acordos de associação são aceitáveis nos casos em que o sistema público ainda seja incapaz de dar resposta. Agora, quando a cinco minutos de um colégio com contrato existe escola pública com capacidade de resposta, é desnecessária a manutenção de tal contrato e um completo desperdício de dinheiro. Estamos perante uma situação de má gestão, diria quase de extorsão. Segundo estudos realizados nos últimos 15 anos, saíram do OE (leia-se bolso do contribuinte) qualquer coisa como mil milhões de euros!

Com a troika, desinvestiu-se na rede pública (fecho de escolas, desemprego de professores, etc.). Todavia, o financiamento ao ensino privado manteve-se. O que está em curso é um desmantelamento do sistema público de educação. O ensino público encontra-se pior em relação ao tempo em que fui estudante. Isso parece ser do interesse de alguns. Nesta teia de relações (público e privado, e mesmo entre os privados) grassa uma nítida falta de transparência: veja-se a inflação das notas dos alunos em relação às escolas oficiais, a promiscuidade entre funcionários do Estado que devem (deveriam) servir o seu país, mas que, ao invés disso, optam por usar os cargos para “encher o bolso”. Afinal o que queremos? É desmantelar tudo?

Ao enveredar por esse caminho estaremos a quebrar um dos pilares da nossa civilização: a democracia. Numa sociedade democrática, o público deve prevalecer sobre o privado. Em democracia pretende-se reduzir a desigualdade, mas sem nivelar por “baixo”, acabar com a precariedade, claro, mas sem nunca cair no abuso dos direitos adquiridos que se negam a avaliações de desempenho. 

Em resumo, é necessário investir no ensino público e repensar os seus moldes com seriedade.

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