Terceira: Angra, cidade de patrimónios

Depois do terramoto que devastou a ilha em 1980, Angra do Heroísmo renasceu dos escombros à luz daquilo que era nos séculos XV e XVI, período áureo da cidade, então porto de paragem obrigatório no tráfego marítimo para as Índias e Américas. O esforço de reconstrução valeu-lhe a classificação como Património Mundial pela UNESCO, testemunho da organização urbana e da arquitectura desse tempo.

As ruelas de paralelos do centro histórico – com o seu traçado em oblíqua para as proteger dos ventos dominantes – descem, por isso, instintivamente até à baía onde outrora aportavam as naus, hoje dividida entre uma marina e um pequeno areal.

Um passeio pela cidade, dominada pelo alvo casario de varandas em ferro forjado e janelas emolduradas a cor ou pedra vulcânica, leva-nos por vários monumentos e edifícios históricos que merecem uma visita, como a Sé Catedral, a Igreja da Misericórdia, o Outeiro da Memória, o Palácio dos Capitães Generais ou o convento e a igreja de São Francisco (que albergam o museu da cidade).

Impondo-se alta sobre a baía, a península formada pelo Monte Brasil tem uma vista panorâmica privilegiada sobre a cidade mais antiga do arquipélago. Delimitada pela fortificação de São João Baptista, construída pela dinastia filipina no século XVI, integra um parque de lazer por entre o verde das criptomérias, pinheiros, álamos e incensos.

Uma mercearia do século XIX

Na Rua Direita, uma mercearia centenária tornou-se paragem turística obrigatória. A entrada na Basílio Simões & Irmãos quase passa despercebida entre as montras modernas das lojas vizinhas, mas uma vez lá dentro é como voltar atrás no tempo: prateleiras e prateleiras de madeira até ao tecto com tudo o que se possa imaginar, dezenas de especiarias, sacos de sementes, de feijão e de grão a granel sarapintam o rodapé.

Pouca coisa terá mudado desde que António Pedro Simões criou a empresa, por volta de 1830. “O meu avô era da Ericeira e era navegador. Fazia [as rotas] América, Brasil e Norte da Europa num barco que se chamava Flor de Angra”, começa por recordar António Pedro Simões, parte da quinta geração que actualmente gere a empresa, também ligada “à moagem, às rações e à distribuição” em grandes superfícies. O veleiro fazia habitualmente escala na Terceira, um dia apaixonou-se por uma angrense. “Casou-se e estabeleceu-se aqui. Depois fez este edifício e é aí que nasce a firma.” Primeiro com o nome do primeiro proprietário, António Pedro Simões, depois “passa para Basílio Simões [& Irmãos], que era o filho mais velho”, conta. Nome que se mantém até hoje, assim como a traça original da loja e o foco nas especiarias (um dos principais artigos que aqui chegavam nas naus durante as rotas marítimas).

António Pedro Simões nasceu numa casa “aqui defronte”. Na infância, os tempos livres eram passados entre o movimento da loja, os brinquedos criados com o que por ali havia. “O castigo era não vir para aqui”, recorda. Depois do serviço militar, regressou para a Terceira, para a mercearia. Actualmente, já tem “filhos e sobrinhos aqui ligados”. A sexta geração. “Mantemos isto aberto para não destruir o que era, [senão] depois perde-se a tradição.”

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Nuno Ferreira Santos
Mercearia Basílio Simões Nuno Ferreira Santos
Maria Serafina Simões e António Pedro Simões Nuno Ferreira Santos