Faial: As voltas do miolo de figueira nas mãos de Helena

Entramos no Museu da Horta sobretudo à procura da sala dedicada ao artesanato de miolo de figueira, mas surpreendemo-nos com o seu acervo. Sendo um museu regional, é formado por “um conjunto heterogéneo de colecções, compreendendo um período cronológico que vai do século XVI à actualidade”, lê-se no seu site. Fazemos uma visita rápida, pelo que ficamos com pena de não apreciarmos melhor a colecção de arte sacra e a exposição que recorda a presença de empresas estrangeiras de cabos submarinos – nos séculos XIX e XX, o Faial foi um importante centro de comunicações do Atlântico Norte. Aconselhamos, portanto, que veja o museu sem a pressão do relógio.

Mas para nós a jóia da coroa era mesmo a Sala Euclides da Rosa, o grande divulgador do miolo de figueira, um material trabalhado por artesãos do Faial mas praticamente desconhecido fora da ilha. Não se sabe ao certo quando surgiram estes trabalhos, mas depois de 1855 começaram a ter muita divulgação, uma vez que ganharam uma menção honrosa “os artefactos produzidos por Emília Madruga Ferreira, na Exposição Universal de Paris”, lê-se nos painéis informativos do museu. Depois disso, esta tornou-se uma das mais vivas tradições artesanais da Horta, tendo sido o faialense Euclides Silveira da Rosa (1907-1979) um dos seus grandes entusiastas. Engenheiro de formação, ao longo de dez anos esculpiu os pequenos rolos de miolo de figueira e transformou-os naquela que é uma colecção única no mundo. No Museu da Horta estão 70 miniaturas, entre barcos, cenas da vida no Brasil, onde Euclides viveu e morreu, moinhos, costumes de Portugal, uma réplica de uma aldeia açoriana.

Helena Henriques é das poucas artesãs que continua a trabalhar o miolo de figueira. Entramos para a sala de sua casa e, em cima da mesa, está montado um arsenal: navalha, pinça feita de cordas de relógio, riscador, cortadeira, cola líquida de papel. E uma caixa de plástico com uns pequenos rolinhos brancos – eis o miolo de figueira, que Helena aprendeu a manejar em 1986, quando trabalhava no Museu da Horta e lá houve uma acção de formação. “Eu estava a trabalhar, não podia integrar os cursos, mas via as senhoras e depois vinha para casa e punha-me a treinar”, recorda. E explica-nos que o miolo é retirado dos “ramos mais finos das figueiras” – “assim, nestes canudos”. Depois fica a secar durante dois dias e a partir daí pode ser manobrado.

“Uma figueira inteira dá uma caixinha pequena de miolo”, revela Helena. Ela própria tem uma árvore em casa, mas amigos e vizinhos costumam dar-lhe os ramos que saem da poda. Os ramos apanham-se “entre Novembro e Março”: se não for na altura certa, o miolo, que é muito frágil e muito, muito leve, não tem a consistência certa para ser moldado.

Depois, é só ter imaginação, minúcia e muita paciência. Helena Henriques mostra-nos agora como se faz uma flor. Começa por cortar o pé, um cilindro finíssimo, com uma lâmina de barbear. Vai depois às pétalas, onde ainda vai desenhar as nervuras com o riscador, e entretanto cola-as com a ajuda da pinça, “para não as marcar”. As flores são trabalhos mais simples, mas, dependendo da espécie, “podem demorar quatro horas a fazer”. “Esta é rápida, mas aquelas que tenho ali num quadro demoram muito mais.”

Se uma flor pode demorar todo este tempo a fazer, o que dizer dos presépios, das casas, do grupo de folclore que já saíram destas mãos? “Eu antes tinha um registo de horas, mas depois deixei-me disso. A Última Ceia que ali tenho demorou-me 296 horas”, conta. Às vezes, Helena pensa em deixar de fazer estes trabalhos, mas depois sente “pena”. “Eu acho isto bonito, tenho pena que desapareça…” A filha de 14 anos de uma amiga já mostrou vontade de aprender, mas “primeiro está a escola”. “Isto ainda demora a aprender”, garante Helena Henriques – e não duvidamos por um segundo.

Helena já vendeu as suas peças, já fez exposições, já ganhou prémios, já deu formação – mas agora manobra o miolo de figueira quase só por prazer. Mas o facto de o Governo Regional dos Açores ter escolhido o seu primeiro presépio, datado de 1993, para a imagem do postal de Natal de 2015 enche-a de orgulho. “Foi dos trabalhos que mais gozo me deu fazer. Já evoluí muito entretanto, mas tenho um carinho especial por esta peça.” Sorri muito e vai buscá-la ao armário.

Museu da Horta
Largo Duque d’Ávila e Bolama
9900-141 Horta
Tel.: 292 392 784
Email: museu.horta.info@azores.gov.pt
Horário: de terça a sexta, das 9h às 12h30 e das 14h às 17h30; sábados e domingos, das 14h às 17h30
Preço: 2€

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Manuel Roberto
Manuel Roberto
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