Carros autónomos: “Vou contra um muro ou contra uma pessoa?”

Bryan Reimer, cientista do MIT, diz que os computadores precisam de ser melhores a tomar decisões para que seja possível massificar os carros autónomos.

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Há carros que estacionam sozinhos, que travam em situações de emergência ou que corrigem trajectórias. Os fabricantes estão a trabalhar em carros que desempenham cada vez mais funções que tipicamente são do condutor. Muitas marcas já disseram que querem ter na estrada carros autónomos por volta do ano 2020. Mas não é apenas o sector que está a apostar na tecnologia. O Google já pôs carros a andar sozinhos no ambiente caótico das cidades.

Bryan Reimer lidera uma equipa no MIT que estuda a forma como os humanos se relacionam com a tecnologia automóvel, incluindo os carros autónomos. Numa conversa com o PÚBLICO, em Lisboa, durante um evento organizado pela empresa de reparação de pára-brisas Belron, argumentou que ainda faltam várias peças no puzzle dos carros que não precisam de condutor.

Já há carros a conduzir sozinhos. A tecnologia está pronta para termos carros autónomos?
A tecnologia é muito boa. Mas o número de casos de excepção, de situações imprevisíveis e difíceis, é imenso. Em termos de tecnologia estamos perto. Mas “perto” é cinco, dez, 15 anos? Não sei. Mas estamos muito longe de ter todo o sistema a funcionar. É preciso reformas legais, mudanças sociais e na ética de decisão [dos computadores]. Os robôs podem tomar más decisões…Como é que vamos fazer os humanos confiar? Vamos dar-lhes um volante que eles possam controlar? Se a pergunta é: estamos perto de ter uma solução autónoma de transporte de um ponto ao outro, em algumas partes do mundo? Sim. Mas com muitos constrangimentos e de forma muito controlada.

Portanto, não estamos sequer próximos de uma massificação de carros autónomos?
O que é “massificação”? Alguns milhares? Não estamos longe disso. O Google acabou de encomendar 100 carros. Mil é o próximo passo. Mas não vão estar em todo o lado. Isto não vai ser ubíquo. Vai crescer lentamente, vai haver imensos testes. Vão esperar pelas mudanças de leis, pelas mudanças na ética do processo de decisão, que é algo que é cultural.

Quais são esses desafios éticos?
Vou contra um muro ou contra uma pessoa? Qual é que se escolhe? Nós [pessoas] tomamos essa decisão em tempo real e aceitamos os erros humanos. No caso de um carro autónomo, um programador informático precisa de tomar essa decisão.

Já estamos num ponto em que, numa auto-estrada, é mais seguro ir num carro autónomo do que num com condutor?
Precisamos de dados. O Elon Musk [fundador da Tesla] veio dizer que havia uma redução de 50% em acidentes graves com o piloto automático deles. Eles são um fabricante de carros, não acredito nas estatísticas que produzem. Precisamos de uma maior compreensão, de saber como é que se determina que um acidente foi evitado. É fácil saber que houve um choque. Não é tão fácil saber que foi evitado um choque.

A automação na condução vai pôr tempo nas mãos das pessoas. Quais vão ser as implicações disso?
O que hoje queremos fazer é comunicar. Consumo de conteúdos, entretenimento e telecomunicações. Como preenchemos o nosso tempo livre hoje e, provavelmente, como preencheremos durante bastante tempo.

E é algo que já fazemos no carro…
Sim. Mas isso traz um problema: à medida que reduzimos a carga de trabalho operacional [de condução] a compreensão daquilo que está à volta cai. Quando olhamos para baixo durante um grande período de tempo, começamos a deixar de prestar atenção ao resto. Mas quando o sistema autónomo falha, a expectativa é que estejamos lá para assumir o comando. Ora, o Google diz que isso não funciona e está a retirar o volante do carro.

É uma melhor abordagem do que ter um volante como plano b? As pessoas vão confiar menos...
É por isso que será um processo lento. O Google sabe que não pode cometer erros nisto. Os erros pagam-se caro. A indústria automóvel sabe que os erros saem caros, mas não está a ter a perspectiva geral de forma tão coerente como o Google. O Google disse “Vamos tirar o volante”.

Qual lhe parece a melhor abordagem?
Algures no meio. E depois, a longo prazo, vamos continuando a aumentar os níveis de automação. Quando digo “algures no meio” quero dizer que o Google provavelmente vai ter uma forma de o transportar do ponto A ao ponto B e, se o sistema tiver um problema, pode haver um volante básico, ou um operador à distância, alguém que diz a um microfone “Olá, este veículo já não está a funcionar bem, vou ajudá-lo a guiar”.

Os fabricantes de automóveis estão a trabalhar neste tipo de tecnologias há algumas décadas. Porque é que isto está a acontecer agora?
Google. Definiu isto como uma prioridade. Estão a ter um grande sucesso tecnológico, mas, mesmo para uma empresa com o tamanho e a visão do Google, que diz que isto vai estar em todo o lado dentro de cinco anos, num sector muito regulado como os transportes, as coisas não acontecem tão depressa. Nos EUA, a idade média dos carros é de onze anos. No Reino Unido julgo que é de oito anos [em Portugal é de 12]. Isto não acontece de um dia para o outro.

Há quem defenda que só com carros inteiramente autónomos podemos aproveitar todos os benefícios de segurança. Qual a sua opinião?
Temos de olhar para a indústria de aviação. Precisamos de aproveitar os processadores [computadores] para aquilo em que são bons. E não desaproveitar os humanos naquilo em que são bons. Devemos garantir que há um humano no processo, seja dentro do veículo ou fora. Nós tomamos melhores decisões do que os computadores. Os computadores tomam decisões programáticas mais rapidamente.

Pelo seu discurso, presumo que acha que a meta traçada por alguns fabricantes, de ter carros no mercado em 2020, não será cumprida.
Acho que vamos ver níveis de automação crescentes nos veículos. Mas não vamos ter carros autónomos em todo o lado em 2020. Teremos travagens automáticas, talvez condução autónoma nas auto-estradas. Isso não são veículos autónomos. O problema está nos detalhes. 

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