O caso controverso do glifosato

Desde 1974 que a empresa Monsanto comercializa o herbicida. Polémica ligada à saúde humana está a ter implicações comerciais na União Europeia.

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O herbicida Roundup é a marca da Monsanto para o glifosato Charles Platiau/Reuters

Quando o norte-americano John E. Franz recebeu em 1990 a Medalha Perkin de Química Aplicada pelo desenvolvimento do glifosato, o famoso herbicida da empresa Monsanto, o químico não escondeu o orgulho. “Acho que [o glifosato] beneficiou a humanidade”, disse o cientista da Monsanto, citado num artigo de 1990 da revista The Scientist. “Fez aumentar as fibras [para têxteis] e os alimentos em todo o mundo, ao aumentar a produção das colheitas e ao eliminar as ervas daninhas.”

A medalha é anualmente atribuída pela Secção Americana da Sociedade de Indústria Química e tem reputação. “Com a comemoração recente do 20º aniversário do Dia da Terra, é a altura certa para reconhecer o cientista que descobriu um produto ‘amigo do ambiente’”, escrevia então a The Scientist. Passados mais de 25 anos, o glifosato está no centro de uma polémica ligada ao cancro e à saúde humana que pode afastá-lo do mercado europeu.

O glifosato foi inventado pela primeira vez na Suíça, em 1950, mas não se conhecia a sua função herbicida e foi esquecido. Em 1969, John E. Franz, já a trabalhar na Monsanto, fez experiências com compostos que tinham alguma actividade herbicida até chegar ao glifosato. A substância infiltra-se nas folhas das plantas e bloqueia a acção de uma enzima importante na produção de moléculas orgânicas, acabando por matar os vegetais.

Em 1974, o herbicida Roundup, a marca da Monsanto para o glifosato, estava no mercado. Desde então, muitas variações do produto foram sendo produzidas. Em 2000, a patente da Monsanto expirou e outras empresas apostaram neste químico. Só na Europa, 300 herbicidas à base de glifosato de 40 empresas diferentes são comercializados. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento desde a década de 1990 de culturas transgénicas, como a soja, o milho e o algodão, resistentes ao glifosato, fez disparar as vendas deste herbicida. Além da agricultura, o herbicida também é usado nos jardins das cidades.

Mas nos últimos tempos o herbicida tem estado no centro de uma controvérsia. Em 2015, um relatório da Agência Internacional para a Investigação do Cancro, que faz parte da Organização Mundial da Saúde (OMS), concluiu que há “provas limitadas” de que o glifosato é carcinogénico. Um novo relatório nesta última semana de um comité conjunto da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e da OMS avaliou o risco do herbicida e concluiu que “é pouco provável que o glifosato tenha um risco carcinogénico”. Ou seja, com as concentrações de glifosato a que as populações estão sujeitas, considerou-se pouco provável haver um risco de cancro. Ainda assim, muitos responsáveis políticos, quer em Portugal quer na União Europeia, pedem mais estudos sobre o impacto deste químico na saúde humana.

A polémica já teve implicações políticas em Bruxelas. A 30 de Junho, a autorização de venda deste herbicida expira na União Europeia. Na última quinta-feira, um comité de peritos da Comissão Europeia não conseguiu chegar a um consenso para votar a favor ou contra o prolongamento da autorização de venda do herbicida no espaço comunitário. Se nenhuma decisão for tomada até ao final de Junho, o glifosato sairá das prateleiras do mercado europeu.

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