Depois de protestos, Presidente brasileiro recua e reinstala Ministério da Cultura

Caetano Veloso deu concerto improvisado na ocupação contra o novo executivo. Decisão de Temer acontece para serenar os ânimos.

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Marcelo Calero, anunciado como secretário da Cultura, assume a pasta como ministro AFP

Alvo de fortes protestos e críticas pela decisão de extinguir o Ministério da Cultura e transformá-lo numa secretaria, o Presidente interino do Brasil Michel Temer voltou atrás este sábado. A pasta da Cultura vai voltar a ter estatuto de ministério, anunciou o ministro da Educação, Mendonça Filho, através da sua conta no Twitter. "A decisão de recriar o Ministério da Cultura é um gesto do Presidente Temer no sentido de serenar os ânimos e focar no objetivo maior: a cultura brasileira", escreveu. Marcelo Calero, anunciado na quarta-feira como o novo secretário da Cultura, irá assumir a pasta esta terça-feira como ministro.

A extinção do Ministério da Cultura tornou-se o principal combustível da contestação ao governo conservador de Michel Temer, que tomou posse há uma semana e meia, depois de o Congresso afastar a Presidente Dilma Rousseff num processo de impeachment. A pasta da Cultura foi uma das baixas da prometida redução do número de ministérios, juntamente com a Ciência e Tecnologia, Aviação Civil, Desenvolvimento Agrário e Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, entre outros. Ela foi convertida em secretaria e integrada no Ministério da Educação.

O fim do Ministério da Cultura – criado em 1985, com a dissolução da ditadura militar e a redemocratização do Brasil – foi criticado por artistas famosos como Caetano Veloso ou o actor Wagner Moura, e até por um colega do partido de Temer, o ex-Presidente brasileiro José Sarney, do PMDB. Na última semana, artistas e profissionais do sector ocuparam delegações regionais do Ministério da Cultura e outras instalações culturais em várias cidades brasileiras para protestar contra a medida.

Temer tentou várias abordagens face aos protestos crescentes. Prometeu nomear uma mulher para dirigir a Cultura, numa tentativa de apaziguar a péssima impressão causada pelo facto de ter formado o seu governo só com homens brancos; seis mulheres que foram convidadas recusaram aceitar. Temer procurou também relativizar a redução da pasta, como se fosse só um detalhe burocrático, garantindo que ia manter a estrutura existente. Depois prometeu aumentar o orçamento para a área em 2017. Finalmente, nomeou um jovem diplomata, Marcelo Calero, que como secretário municipal da Cultura do Rio de Janeiro tinha criado um bom diálogo com a comunidade cultural da cidade.

No início da semana, os jornais brasileiros noticiaram um encontro de Temer com o presidente do Senado, Renan Calheiros, em que este terá tentado persuadir o Presidente interino a ressuscitar o Ministério da Cultura, até porque a sua fatia no orçamento geral do Estado é residual. O recado foi claro: não valia a pena causar tanto barulho por quase nada.

"O Presidente avaliou que seria melhor recriar o Ministério da Cultura pelo caráter emblemático que tem a pasta. A sua fusão à Educação foi na linha de reduzir o tamanho do governo, mas, diante das reacções, optou-se por voltar à configuração original", disse o ministro da Educação, Mendonça Filho, à Folha de S. Paulo. Segundo o mesmo jornal, Marcelo Calero terá sabido da mudança este sábado, através de um telefonema de Michel Temer.

No Rio de Janeiro, onde meia centena de pessoas ocupam desde segunda-feira a sede regional do Ministério da Cultura, no histórico Palácio Capanema, um marco da arquitectura moderna, a reacção ao regresso do ministério foi de quase indiferença. “O MinC [Ministério da Cultura] pode até voltar, mas a ocupa vai continuar!”, escreveram na sua página de Facebook. Os manifestantes prometem sair apenas quando o governo de Temer, que consideram ilegítimo, cair.

Muitos artistas têm passado pelo local da ocupação e deram concertos gratuitos e mais ou menos espontâneos, solidarizando-se com os protestos. Caetano Veloso, figura maior da cultura brasileira e uma referência nacional, também, pelo seu inconformismo e exílio durante a ditadura, cantou durante cerca de uma hora, nesta sexta-feira à noite. O cantor assinou um artigo no Globo no início da semana criticando a extinção do ministério, mas de uma forma mais eufemística do que muitos agentes ligados à cultura e até fãs gostariam. Fê-lo sem condenar directamente o governo de Temer, o vice-presidente de Dilma que actuou abertamente para retirá-la do cargo.

“Eu, neste primeiro momento do governo Michel Temer, só tenho mesmo é uma grande queixa a fazer: a extinção do MinC é acto retrógrado”, escreveu. No átrio do Palácio Capanema, diante de uma extensa multidão predominantemente jovem e admiradora, Caetano não foi contundente nem condenatório. Sorriu silenciosamente, quase esfíngico, quando o público gritou “Fora Temer!”. Não fez discursos políticos nem de qualquer natureza, como se não estivesse ali para falar, mas fazer o que um músico faz melhor. "O MinC é nosso. É uma conquista do Estado brasileiro. Não é de nenhum governo”, foi a única coisa que se aproximou de uma tomada de posição. Mas o repertório – uma mão-cheia de canções emblemáticas, muitas das quais não costumam figurar nas suas digressões – não pareceu escolhido ao acaso. Alegria, Alegria eTerra evocaram o período da ditadura militar, Odeio foi catárctico: de cada vez que Caetano chegava ao refrão e cantava “Odeio você”, o público respondia: “Temer!” Foi um concerto? Foi um acto de protesto? Talvez não seja preciso escolher. 

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