Há instituições a fornecer informação às secretas por protocolo e sem ele

Jorge Silva Carvalho reage a declarações de chefe das secretas desafiando tribunal para apurar contornos da Operação Santola, que terá sido autorizada por Sócrates.

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Jorge Silva Carvalho Rui Gaudêncio

Instituições bancárias, serviços de finanças, seguradoras e fornecedoras de gás, água ou electricidade estão entre as organizações às quais os serviços secretos podem recorrer para obter informações sobre determinada pessoa – em especial se se trata de alguém que querem recrutar para seu informador. A indicação consta do manual de procedimentos do Serviço de Informações de Segurança, tendo o alcance desta prerrogativa sido debatido ao longo da tarde desta quinta-feira no julgamento do caso das secretas, no Campus de Justiça, em Lisboa.

Pela segunda vez, o secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), Júlio Pereira, depôs em tribunal na qualidade de testemunha. E se da primeira vez que ali foi, em Outubro passado, se refugiou no segredo de Estado para se furtar a responder a várias perguntas, não foi por o primeiro-ministro António Costa ter entretanto levantado parcialmente esse sigilo que Júlio Pereira se mostrou menos avesso a dar explicações à justiça sobre o funcionamento dos seus serviços. Numas ocasiões disse que ignorava como operavam, sugerindo às juízas que chamassem outras pessoas das secretas para as elucidar, enquanto noutros deu respostas vagas que em pouco ou nada esclareceram se os arguidos que se sentam no banco dos réus por violação do segredo de Estado, corrupção e abuso de poder agiram de moto próprio ou em obediência a ordens de superiores hierárquicos.

Júlio Pereira teve sob as suas ordens aquele que é hoje o principal suspeito deste processo, o ex-director do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa Jorge Silva Carvalho, acusado, entre outras coisas, de ter posto agentes seus a recolher informação para o grupo Ongoing, para onde havia de ir mais tarde trabalhar. O arguido nega tê-lo feito, mas admite ter mandado espiar a facturação detalhada do telemóvel do então jornalista do PÚBLICO Nuno Simas, para descobrir quem eram as suas fontes de informação nas secretas. Como? Um subordinado seu que hoje também se senta no banco dos réus recorreu a uma namorada que trabalhava na Optimus.

Mas nem sempre funciona assim. Segundo Júlio Pereira, que nega alguma vez ter dado ordens ou tido sequer conhecimento deste tipo de práticas ilegais, os serviços secretos firmaram protocolos com várias organizações para que lhes sejam passadas informações. Podem ser instituições bancárias, serviços de finanças, seguradoras e fornecedoras de gás, água, electricidade ou operadoras de telecomunicações. “Há protocolos de cooperação. Alguns são formalizados, outros não”, afirmou o secretário-geral do SIRP, que se escusou uma vez mais a revelar se Silva Carvalho se tornou informador dos serviços, com o cognome de “fonte Panda”, após transitar para a Ongoing. É que quando ainda lá trabalhava foi alcunhado como Panda Kung-Fu. “Em relação às fontes os serviços não prestam informações absolutamente a ninguém”, declarou, agastado, Júlio Pereira, quando o interrogaram sobre se tinha prestado informações ao primeiro-ministro António Costa sobre a dita fonte Panda quando lhe enviou a sua opinião sobre o levantamento do segredo de Estado neste julgamento. “Eu nem sei se existe uma fonte Panda”, acrescentou.

Actividade das secretas "não depende" de juízes

Questionado pelo advogado Paulo Simão Caldas sobre se as secretas pedem autorização aos juízes ou aos magistrados do Ministério Público para acederem a dados pessoais de cidadãos nas finanças, na segurança social ou nas finanças, o mesmo responsável irritou-se uma vez mais: “A actividade dos serviços de informações não dependem da autorização" dos magistrados, salientou, ressalvando que a “linha vermelha” dos agentes é a fronteira da legalidade.

Visivelmente desagradado com as declarações do seu antigo superior hierárquico, Jorge Silva Carvalho havia de lhes reagir com uma mensagem críptica. Se o tribunal quisesse inteirar-se da verdadeira forma de actuar das secretas, que pedisse aos serviços informações sobre uma certa missão secreta, desafiou. Nome de código? Operação Santola. E mais não disse Silva Carvalho, a não ser que se tratou de uma operação autorizada pelo então primeiro-ministro José Sócrates e da qual Júlio Pereira estava ao corrente. Se teria contornos ilegais, não o revelou: “Discordo desse tipo de expressão”.

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