Relatório sobre segurança da torre de Picoas obriga a obras urgentes

O autor do parecer recomendou a adopção de “medidas cautelares urgentes” na obra da torre, entre as quais a reposição de uma secção das estacas que tinha sido cortada pelo promotor e o “reaterro” da zona.

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“Finalmente há um documento que diz que a obra não parou”, diz Ricardo Robles, referindo-se ao embargo que a câmara diz ter decretado GUILHERME MARQUES

O relatório técnico pedido pela Assembleia Municipal de Lisboa sobre a segurança das estacas que foram cravadas na Avenida Fontes Pereira de Melo pelo promotor da obra da torre de Picoas está concluído e resultou já no arranque da execução de um conjunto de “medidas cautelares”. Essas medidas foram recomendadas pelo técnico que elaborou o relatório e o vereador Manuel Salgado transmitiu-as ao director municipal do Urbanismo com uma indicação clara: “Urgente intervencionar a obra”.

Foi o grupo municipal do Bloco de Esquerda que alertou para o facto de no Livro de Obra da torre de 17 andares que está a ser construída em Picoas se dizer, num registo de 7 de Abril, que foram detectados “deslocamentos que ultrapassam os critérios de alerta de 20mm”. O partido defendeu então que era preciso “esclarecer cabalmente” as “consequências possíveis” dessa situação e o caso acabou a ser discutido em conferência de representantes da assembleia municipal.   

No início de Maio esse órgão, que integra representantes de todas as forças políticas e o vice-presidente do município, decidiu solicitar à Câmara de Lisboa um relatório técnico sobre a estabilidade das estacas e também sobre as soluções possíveis para resolver o caso da torre de Picoas. A missão de elaborar o relatório (que foi desdobrado em dois documentos) foi confiada a Júlio Appleton, doutorado em Engenharia Civil e director técnico da empresa A2P Consult, Estudos e Projectos.

Num primeiro momento, o técnico consultado pela autarquia fez uma “avaliação preliminar da estabilidade da cortina de estacas de contenção da Av. Fontes Pereira de Melo”. Nesse documento, ao qual o PÚBLICO teve acesso, diz-se que foram de 22 milímetros os “movimentos horizontais” registados “na viga de coroamento das estacas”, acrescentando-se que “a esse deslocamento associou-se um nível de alerta que justificou a elaboração do presente parecer”.

Júlio Appleton concluiu que “os deslocamentos horizontais no topo da cortina de estacas tiveram um aumento significativo” entre 4 e 18 de Fevereiro. Segundo lhe foi transmitido “na deslocação à obra”, nesse período os trabalhos em curso no local incluíam “o corte parcial do betão das estacas” e “uma escavação” junto às mesmas.

Depois desse deslocamento, observa o técnico, “o impulso de terras terá sido aliviado temporariamente, tendo no período seguinte voltado a aumentar devido à acção das sobrecargas no terrapleno da Av. Fontes Pereira de Melo”.

À câmara, Júlio Appleton recomendou a execução de três “medidas cautelares imediatas”. Uma delas foi o reforço da monitorização (que permitiu detectar os tais movimentos de 22 milímetros), que segundo o técnico deverá ser feita de 48 em 48 horas.

Por considerar que “o corte de 10 cm a 15 cm realizado na secção das estacas” (que como já foi referido terá ocorrido entre 4 e 18 de Fevereiro) se traduziu “numa redução da resistência à flexão de 12 a 20%”, o autor do relatório defendeu ainda que “deve ser reposta a secção das estacas com microbetão”. Finalmente, Júlio Appleton recomendou que se procedesse ao “reaterro, compactado, da zona interior adjacente à cortina de estacas”.

Minutos depois de ter recebido o documento, no qual eram também sugeridas duas “medidas cautelares a curto prazo”, o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, reenviou-o ao director municipal de Urbanismo num mail com a seguinte indicação: “Urgente intervencionar a obra”.

“Ainda bem que há relatório”, reage o deputado municipal Ricardo Robles. Em declarações ao PÚBLICO, o eleito do BE sublinha que o parecer de Júlio Appleton “confirma que há problemas”, na medida em que nele se recomenda a adopção de “medidas cautelares imediatas”.

Da leitura do documento, o deputado retira uma outra conclusão: a de que, como vem há muito sustentando, as obras não pararam quando a câmara diz que pararam. Aquilo que Manuel Salgado tem dito é que a 9 de Dezembro de 2015 foi dada “uma ordem verbal” ao promotor para que parasse os trabalhos, por estar a executá-los num terreno que não era seu, mas sim do município. “Não existe uma ordem por escrito mas existe efectivamente uma paragem da obra”, afirmou anteriormente o vereador.

Mas no relatório elaborado por Júlio Appleton dá-se conta de realização de trabalhos (de corte das estacas e de escavação) entre os dias 4 e 18 de Fevereiro. “Finalmente há um documento que diz que a obra não parou”, observa Ricardo Robles.

O deputado, que é engenheiro civil de profissão, frisa que nesse período o promotor fez “a pior acção que se podia fazer”: “retirou terras, terras que são a garantia de que não há desequilíbrios”. “São trabalhos que prejudicam a estabilidade”, diz Ricardo Robles, acrescentando que também o corte das estacas é “grave”, na medida em que “reduz a capacidade de resistência da estrutura até 20%”.  

À câmara, Júlio Appleton entregou um segundo documento, intitulado “Avaliação das soluções estruturais definitivas de integração da cortina de estacas”. Nele o técnico sustenta que “a solução de manutenção da cortina de estacas integrada na estrutura definitiva do edifício é a tecnicamente mais adequada”.

Além dessa há uma solução alternativa em cima da mesa, proposta pelos Cidadãos Por Lisboa: a de a obra deixar de poder desenvolver-se para lá dos limites do lote actual do promotor, o que obrigaria a que as estacas já construídas fossem dadas como perdidas e a que tivesse que ser construída uma estrutura autónoma de suporte ao edifício. 

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