O renascimento italiano

Quem já se fartou do diktat alemão foi Matteo Renzi, que recentemente afirmou numa entrevista: “Depois de dois anos a ouvir, agora é a minha vez de falar”.

“Uma família pode decidir gastar menos e tentar ganhar mais. Mas, na economia, como um todo, gastar e ganhar estão correlacionados, dado que o que eu gasto é o que tu ganhas e o que tu gastas é o que eu ganho. Se todas as famílias decidirem cortar nos gastos ao mesmo tempo não há receita, a economia pára e o desemprego aumenta”. Pois é! Assim, afirmava Keynes nas sessões radiofónicas na BBC. E acrescentava: “Minhas senhoras, vão às compras! Pois quanto mais gastam, mais postos de trabalhos são criados”. Embora os falcões da ortodoxia económica continuem teimosamente a insistir nas medidas de austeridade, estas nunca resultarão no equilíbrio orçamental nem na atracção do investimento. A verdade é que o resultado deste tipo de medidas revelou-se na maior espiral recessiva mundial desde 1930. A verdade é que a investigação científica desenvolvida desde a Grande Depressão de 1929 em dezenas de países demonstrou, inequivocamente, que nenhum país, em nenhum lado do mundo, recuperou da crise económica através das medidas de austeridade.

A verdade incontestável é que a austeridade conduziu sempre a maior pobreza, maior desigualdade, falência do sistema financeiro e destruição da economia. Também neste sentido, o Tratado Orçamental, imposto leoninamente pela inepta Comissão Barroso, pelo bipolar FMI, pelo BCE do desastrado Trichet e pelo dogmatismo fossilizado de Angela Merkel e Wolfgang Schäuble, constitui o maior disparate até hoje produzido pelo Eurogrupo, dado que tenta “vestir o mesmo fato” a todas as economias sem ter em conta as diferentes idiossincrasias estruturais, económicas e políticas dos Estados-membros. Deste modo, incompetentes e cinzentos burocratas, que ninguém elegeu e nenhum povo escolheu, impõem leoninamente as suas decisões na obscuridade dos seus gabinetes, não só contra vontade dos líderes políticos democraticamente eleitos, como também desfavorecendo os países mais pobres em benefício dos países e corporações mais poderosas, como ficou patente quando fecharam os olhos à fuga aos impostos das grandes corporações em países como a Holanda ou o Luxemburgo ou, agora, no caso Banif. Tudo isto com o apoio de gente muito ilustre, muito séria e sábia, com homenagens e comendas, com direito a infinito tempo de antena em prime time onde expõem a sua ignorância como incontestadas e sublimes verdades científicas. Contudo, grande parte desta virtuosa gente arrasta consigo cumplicidades em políticas desastradas, em escândalos de fraude económica, fuga aos impostos, contas escondidas em off-shores (nos quais as autoridades não actuam firmemente), etc..

Apesar de os diferentes povos europeus apoiarem uma União da Europa, todavia, a actual tornou-se naquilo que os europeus nunca sonharam e os pais fundadores nunca idealizaram, dado que não só os seus líderes políticos não são democraticamente eleitos (com excepção do PE), como também são obrigados a aceitar reverencialmente o diktat austeritário da Alemanha. Quem já se fartou do diktat alemão foi Matteo Renzi, que recentemente afirmou numa entrevista: “Depois de dois anos a ouvir, agora é a minha vez de falar”. Embora o Primeiro-Ministro italiano tenha passado despercebido, a verdade é que tem sido ele que, farto de recessão que martiriza o seu país há anos, tem demonstrado assertivamente maior resistência ao dogmatismo alemão, à Comissão Europeia e ao FMI. Ainda recentemente no Conselho Europeu Pier Carlo Padoan, Ministro das Finanças italiano, apresentou e defendeu vigorosamente um coerente e poderoso programa de estímulo fiscal para a UE na reunião com o FMI em Washington. Mais importante ainda, Padoan iniciou já um programa de estímulo económico no seu país. Deste modo, além de ter baixado os impostos, manteve os níveis de despesa pública, contrariando e desafiando o espartilho do Tratado Orçamental, exigido pela Alemanha e pela Comissão. Em resultado destas medidas, o clima de optimismo e confiança dos investidores e consumidores em Itália aumentou de tal forma que atingiu o nível mais elevado em 15 anos. Assim, de acordo com o FMI, a Itália é o único país do G-7 que mais crescerá em 2016. Acresce que o Ministro das Finanças italiano criou um imaginativo sistema público-privado para financiar os desesperados e descapitalizados bancos italianos sem esperar pela aprovação quer do BCE, quer da Comissão.

Vale a pena recordar que, por pressão alemã, tinha sido já bloqueada uma iniciativa de criação do “Banco Mau” para o qual seriam transferidos os activos tóxicos e o crédito mal parado dos bancos italianos. Apesar do ataque de nervos alemão, a verdade é que os mercados premiaram o desafio italiano aumentando o preço das acções do maior banco italiano, Unicredit, em 25%. Para quem não sabe, Padoan é o único economista do G-7 com larga experiência, dado que foi chefe economista na OCDE. Neste sentido, afirma Anatole Kalestky, “ninguém compreende tão bem como ele os mecanismos da política monetária e fiscal”. Também o italiano Mario Draghi, Presidente do BCE, tem-se mostrado o mais proactivo e criativo líder europeu, tendo já por várias vezes evitado o colapso da moeda única, nomeadamente através do gigantesco programa quantitive easing, contrariando, assim, as regras anti-monetaristas e de mutualização das dívidas soberanas do Tratado de Maastricht, apesar da feroz oposição do Bundesbank. Acresce que Mario Draghi foi o primeiro Presidente de um Banco Central a avançar com a ideia do “helicopter money” – distribuição directa de dinheiro pelo BCE aos consumidores europeus para estimular a procura agregada – levando à fúria dos alemães que o invectivaram com todos os impropérios xenófobos.

Deste modo “o renascimento” italiano poderá constituir uma nova liderança alternativa ao diktat alemão e uma oportunidade para a revitalização da Europa e que Portugal deverá, inequivocamente, apoiar e acompanhar.

Professor Associado, Director INNOVARE - Research Center in Management, Economics and Finance, UAL

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