Directores acusam ministério de "limitar" ainda mais a autonomia das escolas

Novas regras para a atribuição de horas extra postas em causa pelo Conselho das Escolas, que também declara "inaceitáveis" as novas condições para que professores doentes possam mudar de escola.

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Número de escolas que beneficiaram das horas extras atribuídas por Nuno Crato passou de 182 em 2012/2013 para 274 em 2015/2016 Paulo Pimenta

O Conselho das Escolas (CE) considera que os novos critérios propostos pelo Ministério da Educação (ME) para a atribuição dos chamados créditos horários são limitadores da autonomia dos estabelecimentos de ensino. Num parecer sobre a proposta de despacho de organização do próximo ano lectivo, aquele organismo consultivo do ME, que representa os directores, contesta que a atribuição de mais horas pagas às escolas para reforçar as aprendizagens dos alunos volte a depender de “dois critérios meramente administrativos, que escapam à acção directa dos órgãos de gestão das escolas”.

Com efeito, se a proposta do ME for por diante, a atribuição dos créditos horários passará a depender do número de turmas existente na escola e do conjunto das horas de redução da componente lectiva dos professores mais velhos. Deixarão assim de ser considerados os critérios relativos ao desempenho das escolas que a partir de 2012, com Nuno Crato, passaram também a pesar na atribuição de horas extra. São eles os resultados obtidos pelos alunos na avaliação interna (feita pelos professores) e nos exames, a percentagem dos que conseguem transitar de ano, bem como a redução dos que abandonam o ensino a meio da escolaridade.

O Conselho das Escolas frisa que a fórmula de cálculo aplicada nos últimos anos, apesar de ser “complexa” e ter sido concretizada com “algumas imperfeições”, garante uma “diversidade e flexibilidade dos critérios para atribuição de crédito horário que reforçam e promovem o exercício de autonomia das escolas”, por ter em conta “o empenho e dinamismo de cada uma para atingir objectivos de melhoria dos resultados escolares e redução do abandono escolar”, o que deixará de acontecer.

Ao contrário do Conselho das Escolas, os representantes das duas associações de directores aplaudem a decisão do ministério. No mês passado, quando foi conhecido o projecto do ME, tanto Filinto Lima, como Manuel Pereira, consideraram que os critérios propostos pelo ME têm mais a ver com ”a “realidade das escolas”, pondo também fim à prática, introduzida por Nuno Crato, de “dar mais a quem já não precisava porque estava em contextos socialmente favorecidos”.

O número de escolas que beneficiaram das horas extra atribuídas por Crato passou de 182 em 2012/2013 para 274 em 2015/2016, o que corresponde a 35% do total de agrupamentos e escolas não agrupadas existentes. Entre as beneficiadas, algumas usaram o crédito extra recebido para pagar a um psicólogo, contratar mais professores ou garantir apoio extra aos alunos.

Quem beneficia?

Segundo uma análise desenvolvida para o PÚBLICO pelos investigadores da Universidade Católica, Joaquim Azevedo e Conceição Portela, a maior parte das escolas que receberam créditos situava-se em contextos socioeconómicos favorecidos, o que também levou vários directores a defenderem a existência em simultâneo de outros critérios com vista a apoiar as escolas com mais dificuldades.

Mas os novos critérios propostos pelo ME, nomeadamente o que respeita ao número de turmas/estudantes, não garantem que esta situação seja alterada, já que apenas 25% das escolas que estão integradas em agrupamentos com mil ou mais alunos pertencem ao contexto socioeconómico mais desfavorecido. Esta proporção sobe para 51% quando se tem em conta os agrupamentos com menos alunos — e que, portanto, se arriscam a ter menos horas extra.

Também o Conselho das Escolas chama a atenção para o facto das novas regras levarem “as escolas com maior número de turmas e/ou com um corpo de professores mais antigo na carreira" a ficarem "com menos horas de crédito do que presentemente, o que não se concilia com as anunciadas intenções de promoção do sucesso escolar”. Por outro lado, o organismo que representa os directores junto do ministério manifesta a sua discordância quanto à proposta de que a atribuição destas horas seja feita “em função das necessidades reais que em cada momento do ano lectivo são identificadas”. “Ou seja, as escolas têm direito ao crédito, mas apenas se a Administração Central autorizar”, especifica o CE.

O CE defende, por isso, que estando “fixado o crédito de horas, o mesmo deve ficar totalmente à disposição das escolas”. Considera também que “é urgente que a administração educativa confie nas escolas e nos órgãos de gestão e lhes reconheça competência e responsabilidade para gerir o crédito de horas da forma mais adequada aos interesses de cada uma”, o que não se encontra salvaguardado, antes pelo contrário, na proposta do ministério.

"Cega e desajustada"

O Conselho das Escolas é também muito crítico em relação às novas regras propostas pelo Ministério da Educação para permitir que os professores possam mudar de escola por razões de doença dos próprios ou dos seus familiares, de modo a ficarem mais próximos dos locais de tratamento. Diz o CE que o proposto evidencia “uma fria visão administrativa, da parte do legislador”, que é “socialmente cega e desajustada”.

O ministério propõe que os professores que requeiram a mobilidade por doença sejam agrupados numa lista em função da sua graduação profissional (tempo de serviço e nota do curso) e que seja criada uma quota de cinco doentes por escola para acudir a estes casos. “A existir qualquer ‘graduação’ para este tipo de mobilidade, a mesma deverá depender, exclusivamente, da gravidade da situação e doença e não de qualquer fórmula administrativa de graduação profissional”, refere o CE, que também considera que as prioridades previstas para a colocação destes docentes “são, do ponto de vista ético, absolutamente inaceitáveis”.

Em conjunto com a graduação profissional, o ME propôs que os docentes que requeiram a mobilidade por doença sejam também ordenados em função das razões que subjazem ao pedido, sendo a doença do próprio encarada como primeira prioridade, dependendo as restantes da idade dos filhos. “De facto, a situação de doença do próprio (1.ª prioridade) poderá não ser tão exigente na necessidade de mobilidade como a situação de doença do filho maiores de 12 anos (3.ª prioridade) ”, especifica o CE.

Segundo o CE, o projecto do ministério em vez de “disciplinar este tipo de mobilidade e contrariar presumíveis abusos”, levará a que muitos professores vejam “indeferidos os seus pedidos”, independentemente da gravidade da doença.

Neste ano lectivo,  cerca de quatro mil professores conseguiram mudar de escola alegando doença. Mas este processo foi contestado por vários outros docentes, que se queixaram de terem sido ultrapassados na colocação por ter surgido um elevado número de professores que, alegando doença sua ou de familiares, conseguiram ocupar grande parte das vagas disponíveis nas escolas de grandes cidades.

Só em quatro agrupamentos do distrito de Bragança foram colocados por esse motivo 260 professores. E aos estabelecimentos de ensino da cidade de Coimbra chegou cerca de uma centena. Esta situação esteve na origem de uma petição dirigida ao ministério em que se exigia que os professores em mobilidade por doença sejam submetidos a junta médica para comprovação das declarações prestadas, uma possibilidade prevista na lei. O que também é defendido pelo Conselho das Escolas.

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