Imodium em excesso pode dar “pedrada”, mas também pode matar

Há quem troque opiáceos por Imodium quando não consegue ter acesso a analgésicos. Princípio activo do medicamento anti-diarreia pode ser tóxico, escreve o “New York Times”. Em Portugal não há registo de casos semelhantes

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É barato, pode ser comprado em grandes quantidades e não exige receita médica. Quando o acesso a analgésicos é mais difícil, dependentes de opiáceos estão a voltar-se para medicamentos anti-diarreia como o Imodium. A loperamida, o princípio activo do Imodium, “pode oferecer uma ‘pedrada’ barata se consumido em grandes quantidades”, escreve o “New York Times”, que apelida o fenómeno de “metadona dos pobres”.

Este medicamento pode ser “tóxico e até mortal para o coração”, além de altamente obstipante, continua o jornal norte-americano. O conhecimento sobre a loperamida enquanto substância aditiva não é, ainda, muito.

De acordo com um relatório publicado no “Annals of Emergency Medicine”, duas mortes recentes foram atribuídas ao abuso do consumo de loperamida, em Nova Iorque. “Muitos toxicologistas e médicos de urgências suspeitam que este é um problema mais propagado do que aquilo que os relatórios isolados sugerem.”  

Uma vez que a prescrição de opiáceos está cada vez mais limitada, especialistas mostram-se preocupados com a utilização de novas substâncias aditivas. “Vimos pacientes que tomam loperamida durante vários meses”, contou o autor principal do relatório, William Eggleston.

Medicamentos como o Imodium funcionam, também, como “ponte”: como não conseguem obter heroína ou morfina, os dependentes recorrem à loperamida para aliviar os sintomas relacionados com o síndrome de abstinência, como dores musculares, vómitos e náuseas. Uma vez que não necessita de receita médica, este medicamento pode ser comprado em grandes quantidades “sem levantar suspeitas” e por um baixo preço.

Fenómeno "restrito a alguns países"

Daniel Martins, investigador em novas substâncias psicoactivas, não tem conhecimento de casos de consumo de Imodium em doses elevadas em Portugal. “Não existe nenhuma referência a este fenómeno em relatórios de agências de monitorização, quer internacionais quer nacionais”, sublinha o investigador em conversa via e-mail com o P3.

“Penso que é um fenómeno pontual e certamente restrito a alguns países”, acredita Daniel Martins, que no passado colaborou com o projecto CheckIn. Em países como Portugal, continua, “os utilizadores não sentem necessidade de recorrer a meios de tratamento obscuros e de eficácia duvidosa”, uma vez que o tratamento de substituição opiácea é “de fácil acesso e gratuito”, além de existirem, inclusive, “vários programas de baixo limiar de exigência”. Já na Rússia, por exemplo, “onde os utilizadores de drogas têm de resolver pelos seus próprios meios o seu problema de dependência”, este tipo de fenómenos pode vir a ter mais expressão.

Nos Estados Unidos, explica, os programas de redução de riscos e minimização de danos “ficam muito aquém das necessidades” e um tratamento de dependência numa clínica privada “pode ser muito dispendioso”, pelo que “poderá haver quem procure soluções através de medicação de fácil acesso e baixo custo”.

A Food and Drug Administration (FDA) — a agência federal que, nos EUA, é responsável pela homologação de medicamentos e tratamentos — está a par do abuso desta substância no tratamento de sintomas de abstinência ou para a “produção de efeitos eufóricos”. Segundo a sua porta-voz, Sarah Peddicord, a FDA “vai tomar medidas apropriadas tão rápido quanto possível”.

“Seguramente, isto será um alerta para a necessidade dos governos reflectirem sobre a política de drogas proibicionista e o seu efeito perverso na saúde pública”, aponta o investigador português.

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