Na Venezuela deixou de haver medicamentos e a morte e a doença andam à solta

A profunda crise económica e social venezuelana produziu uma situação de emergência na saúde pública no país de Nicolás Maduro. Tratamentos para o cancro só se conseguem adquirir no mercado negro. Faltam contraceptivos e antibióticos, e bens de higiene básicos. Até água.

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A falta de preservativos afecta toda a população feminina Luis Robayo/AFP

Os bebés prematuros precisam de máquinas para os ajudar a respirar. Mas quando os apagões caem sobre a cidade de Caracas, as máquinas param. Os médicos e enfermeiras tentam mantê-los vivos bombeando ar manualmente para os seus pulmões ainda não completamente formados. Muitos não sobrevivem até regressar a electricidade.

“A morte de um bebé é o pão nosso de cada dia”, disse ao New York Times o médico Osleidy Camejo. A taxa de mortalidade dos bebés com menos de um mês subiu para 2% em 2015, quando em 2012 era apenas de 0,02%. Quanto à mortalidade materna, neste período, aumentou quase cinco vezes, diz o jornal americano.

Mas os nascimentos têm aumentado, porque não há contraceptivos na Venezuela. Faltam preservativos, pílulas, tudo. “Os laboratórios não têm matérias-primas para produzir e a maioria dos produtos são importados”, explicou ao Panama Post Carlos Meza, auxiliar de farmácia. No estado de Aragua, a taxa de gravidez aumentou 50%, disse ao mesmo jornal Dulce María Blanco de Figallo, presidente do Colégio de Farmacêuticos.

“Não há maneira de as mulheres decidirem se querem ter filhos ou não, porque não há contraceptivos. E é uma questão tabu aqui. A falta de preservativos afecta toda a população feminina”, comentou Mercedes Muñoz, directora da Associação Venezuelana para a Educação Sexual Alternativa.

Num país afectado pelo vírus Zika – que é transmitido pela picada de um mosquito, mas também por relações sexuais, e que pode causar anomalias de desenvolvimento no cérebro dos bebés – esta falta é especialmente grave. Mas o Governo não divulga números precisos sobre a epidemia, porque considera que há uma campanha de propaganda contra a Venezuela.

Encomendas aos EUA

A profunda crise económica e social venezuelana produziu uma situação de emergência na saúde pública: não há medicamentos nem equipamentos a funcionar nos hospitais, pode faltar até a água para limpar o sangue durante uma cirurgia. A falta de electricidade junta-se à falta de água – há seca, por causa do fenómeno climático El Niño, mas sobretudo por falta de investimento e manutenção no sector hidroeléctrico.

O resultado é que hoje tanto água como sabão para lavar as mãos e luvas são apenas recordações de medidas de higiene básica. Uma operação que poderia salvar uma vida pode ser adiada indefinidamente porque não funciona o aparelho de raio-X necessário para guiar a mão do cirurgião durante o procedimento.  

Os medicamentos para o cancro só se conseguem adquirir no mercado negro. As farmácias da Florida, nos EUA, registaram um aumento em flecha de encomendas provenientes da Venezuela. A cadeia Locatel, em Miami, que tem origem na Venezuela, criou até uma linha telefónica especial para os pedidos venezuelanos.

“É aqui que compro o medicamento para a tensão arterial da minha mãe”, disse à AFP a venezuelana Oralia Martinez, que está nos Estados Unidos desde o ano passado, com um visto de estudante.

“Recebemos uma quantidade incrível de chamadas. Pedem anti-inflamatórios, cateteres, coisas sem as quais não se pode passar”, explicou Miguel Gonzalez, proprietário de outra farmácia em Miami. Mas no topo da lista estão medicamentos para doenças crónicas, como a hipertensão ou a diabetes. O presidente da Federação Farmacêutica da Venezuela, Freddy Ceballos, diz que faltam 85% dos medicamentos. A maior cadeia de farmácias venezuelana, a Farmatodo foi recentemente expropriada.

O maior obstáculo para as encomendas feitas a partir da Venezuela é a moeda: as farmácias americanas só aceitam dólares, que se tornaram raros no país de Nicolás Maduro, onde vigoram estritos controlos cambiais. Por isso, só 10% das encomendas se concretizam.

Os hospitais e centros de saúde transformaram-se em pesadelos que imaginamos num país em guerra – enfermarias e corredores onde as pessoas se acumulam, febre que não passa, doenças que se agravam de formas que já não imaginamos possíveis. Quando falham os medicamentos, as doenças voltam com todo o seu cortejo de horrores.

Rosa Parucho, de 68 anos, era uma das poucas doentes que tinha conseguido uma cama no hospital Luis Razetti, em Barcelona (Venezuela). Diabética, não pôde fazer diálise, porque a máquina está avariada, e tem uma infecção nos pés, que estão negros. Está a entrar em choque séptico, relata o New York Times. Precisa de oxigénio, mas não há. As suas mãos contorcem-se e os olhos rolaram para dentro das pálpebras, só se vê o branco. “As bactérias estão a resistir”, disse o médico. Três dos antibióticos de que necessitava estão esgotados há meses. “Vamos ter de lhe cortar os pés.”

 

 

 

 

 

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