Rui Vitória, o caça-fantasmas

Não começou bem e enfrentou algumas desconfianças, mas pediu tempo e paciência, e os frutos apareceram.

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O currículo de Rui Vitória passou a incluir um título de campeão nacional PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP

Passaram pouco mais de duas semanas entre um momento e outro, entre a apresentação quase messiânica de Jorge Jesus no relvado em Alvalade e a entrada discreta de Rui Vitória na Luz pela porta do Museu Cosme Damião onde estavam todos os troféus conquistados pelo Benfica, incluindo os que foram angariados pelo seu antecessor. Não era uma contratação que despertasse demasiado entusiasmo nos adeptos. Muitos deles pensavam mais em Marco Silva para uma resposta em forma de vingança sobre o rival sportinguista. Vitória não fez promessas, mas uma declaração serena de intenções, “entrega, trabalho e dedicação”, como o caminho para o sucesso. Tinha razão.

Rui Carlos Pinho da Vitória, ribatejano de Vila Franca, regressou ao Benfica para ser o timoneiro do 35.º título de campeão nacional para os “encarnados” da Luz. E fê-lo da maneira que Luís Filipe Vieira queria, respeitando a herança europeia do Benfica (chegou aos quartos-de-final da Liga dos Campeões) e com recurso a jogadores da academia do clube – e com o saboroso extra de ter batido a equipa do seu antecessor. É verdade que experimentou bastante e que os primeiros sinais não foram animadores, mas Vitória foi sempre pedindo tempo e foi capaz de construir, em andamento, uma equipa ganhadora, conseguindo, no processo, livrar-se do fantasma de Jesus.

Uma década antes, entre 2004 e 2006, tinha cumprido uma etapa na sua aprendizagem (sem títulos) nos juniores “encarnados” (Sílvio foi o único desses tempos que sobreviveu no plantel benfiquista), mas nesta altura a academia "encarnada" ainda não existia. Sempre em ascensão, com provas de competência em Fátima, Paços de Ferreira e Vitória de Guimarães, Vitória enfrentou desconfiança a partir do momento em que chegou à Luz porque o espaço reservado para títulos no seu CV estava reduzido a uma Taça de Portugal (numa final contra o Benfica) e porque os títulos se tinham tornado numa boa rotina na Luz.

Vitória “só” tinha de provar que era capaz de dar um novo rosto a um ciclo vencedor, mas os primeiros tempos não foram fáceis. A pré-época desastrosa, as derrotas sucessivas com os rivais, as experiências no “onze” pareceram até roubar alguma serenidade ao discurso do habitualmente calmo Vitória. O Benfica foi-se deixando ficar para trás, enquanto Sporting e FC Porto disparavam na frente. Agora já parece um passado longínquo, mas houve um tempo em que Vitória acreditava em jogadores como Ola John, Victor Andrade ou Clésio Baúque.

Mas, quando encontrou a fórmula certa, ficou com ela até ao fim e brilhou. A introdução de Renato Sanches na equipa resolveu-lhe uma série de problemas no meio-campo e a passagem de Pizzi para a ala fez esquecer a lesão longa de Salvio. Os golos começaram a entrar com maior frequência quando a dupla avançada se fixou em Jonas e Mitroglou, ficando Jiménez para as emergências. E houve alguns males que Rui Vitória transformou em mais-valias. Quando não pôde contar com a experiência de Luisão e Júlio César, usou soluções de recurso que se tornaram definitivas, Lindelof e Ederson – um vai ao Euro com a Suécia, o outro vai à Copa América com o Brasil.

Na fase final da época, em que o Benfica ia marcando pontos na Europa e recuperando terreno para os primeiros, havia ainda um trauma que o técnico ribatejano tinha de ultrapassar, vencer um rival no confronto directo, depois de ter perdido todos os outros. Se não o fizesse, o título ficaria bem difícil e o treinador rival continuaria a ter matéria para se gabar. Mas, em Alvalade, foi um triunfo que valeu três pontos, uma liderança e que fez desaparecer a sombra do antecessor. O caminho não tinha começado ali, mas foi ali o ponto de viragem. E Vitória foi de vitória em vitória até à vitória final.

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