Um Governo sob suspeita e a contas com a justiça

O Presidente interino nomeou 24 novos ministros para o seu Governo: nove estão ligados à Operação Lava Jato, como o próprio Michel Temer.

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Cinco ministros estão a ser investigados na Operação Lava Jato. AFP/ANDRESSA ANHOLETE

O novo elenco governativo brasileiro, constituído exclusivamente por homens brancos, integra pelo menos doze suspeitos a contas com a justiça, com Michel Temer à cabeça. Como nove dos seus ministros, o chefe de Estado interino foi mencionado na Operação Lava Jato, que investiga a rede de corrupção em torno da estatal petrolífera Petrobras: em causa estão pagamentos de subornos de milhões de reais e tráfico de influências.

Na sua primeira declaração ao país na condição de Presidente, Temer referiu-se à Operação Lava Jato como uma “referência” no combate à corrupção mas não um “factor impeditivo” da nomeação da sua equipa.

Com a ida para o Governo, três ministros passaram a ficar à margem da justiça comum, ganhando o chamado “foro privilegiado” que remete os seus casos directamente para o Supremo Tribunal Federal (STF): Eliseu Padilha (Casa Civil), Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) e Henrique Alves (Turismo). Juntam-se assim aos colegas Romero Jucá (Planeamento) e Moreira Franco (que não é ministro mas foi nomeado assessor especial de Temer) – os cinco estão a ser investigados por corrupção na Lava Jato. Jucá, que substituiu Temer na presidência do PMDB, partido a que pertencem todos os nomes acima, está ainda sob investigação na Operação Zelotes.

Como escrevia a Folha de S. Paulo, “todos eles podem ser abatidos pela Lava Jato se as investigações continuarem no mesmo ritmo com que a operação começou, em Março de 2014”. Todos os magistrados ligados ao grupo de trabalho estão já funcionar no pressuposto de que “a cúpula do PMDB vai tentar fazer alguma manobra para salvar” os seus homens – “foi aquilo que o PT, Dilma e o ex-Presidente Lula não conseguiram: neutralizar ou reduzir os danos da Lava Jato”, acrescenta o diário.

Também gozam de estatuto privilegiado os ministros Bruno Araújo, Raul Jungmann, José Serra, Mendonça Filho e Ricardo Barros, que se incluem na lista de pelo menos 248 políticos que eram pagos pelas empresas construtoras já condenadas na Lava Jato, ou que foram mencionados por delatores como o “doleiro” (quem negoceia divisas no mercado paralelo) Alberto Yousseff ou o senador Delcídio Amaral – que também apontou o Presidente interino como participante no esquema.

Mas não é só no inquérito mais mediático do Brasil que o novo Governo está “representado”. O novo ministro da Educação e Cultura, Mendonça Filho, e o ministro do Desporto, Leonardo Picciani, foram investigados por financiamentos ilícitos e irregularidades nas contas das suas campanhas eleitorais.

Outros dois novos ministros, ambos antigos prefeitos da cidade de São Paulo, estão também sob investigação pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sob suspeita de crimes de “improbidade administrativa” (que designam actos ilícitos praticados por funcionários públicos): Gilberto Kassab, do PSD, que ficou com a pasta das Comunicações, Ciência e Tecnologia, e José Serra, fundador do PSDB, ministro dos Negócios Estrangeiros. Os casos referem-se às suas actividades de autarca – mas o nome de Serra consta ainda num outro processo em curso no Supremo relativo ao período em que foi ministro de Fernando Henrique Cardoso. E Kassab é arguido num outro processo que corre em São Paulo, acusado pelo Ministério Público de envolvimento num esquema de subornos em torno de uma feira.

O milionário Blairo Maggi, que ficará à frente da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, viu o Supremo Tribunal Federal arquivar, esta semana, o inquérito em que estava citado por lavagem de dinheiro e corrupção, no âmbito da Operação Ararath. Eliseu Padilha, da Casa Civil, livrou-se em 2015 de um inquérito por peculato contra ele no STF. Maurício Quintella, o novo ministro dos Transportes, Portos e Aviação, interpôs um recurso depois de ser condenado por participar num esquema de desvio de dinheiro da merenda escolar, em 2014, quando era secretário da Educação do estado do Alagoas.

Já o novo ministro da Saúde, Ricardo Barros, viu negado um pedido de arquivamento do inquérito em que responde por corrupção em contratos de publicidade da administração municipal de Maringá, no Paraná.

O responsável pela Defesa, Raul Jungmann, viu a justiça federal arquivar os inquéritos que corriam contra si em 2011, depois de constatar a inutilidade da realização do julgamento – os crimes de fraude, peculato e corrupção por que foi investigado, relativos ao período em que foi ministro de Fernando Henrique Cardoso, já estariam prescritos quando o caso finalmente chegasse a tribunal.

Para um novo Gabinete de Segurança Institucional, que Temer encarregou de reorganizar os serviços secretos e de segurança do Estado, foi escolhido o chefe do Estado-Maior do Exército, Sérgio Etchegoyen, filho do general Leo Guedes Etchegoyen que foi nomeado pela Comissão da Verdade criada por Dilma Rousseff como um dos 377 agentes do Estado responsáveis por crimes durante a ditadura.

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