O doping russo denunciado por um dos seus executantes

Em causa está a estratégia do Governo russo para dominar o quadro de medalhas nos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, em Sochi, e revelada agora por aquele que era o responsável pelo laboratório antidoping.

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A Rússia terminou no primeiro lugar no que diz respeito a medalhas em Sochi, com 33 pódios, entre os quais 13 títulos olímpicos Sergei Karpukhin/File Photo/Reuters

Foram dezenas os atletas russos de topo que recorreram ao doping durante os mais recentes Jogos Olímpicos de Inverno, realizados em 2014, na cidade russa de Sochi. A confissão surgiu pela boca do anterior responsável do laboratório russo de controlo antidoping e deixa o desporto russo ainda em mais maus lençóis do que aqueles em que já dormia e que levaram a Associação Internacional de Federações de Atletismo (em inglês, IAAF) a suspender todos os atletas daquele país das competições internacionais, aguardando-se ainda a decisão final em relação a uma eventual proibição de competirem nos Jogos Olímpicos do Rio 2016.

Numa reportagem publicada ontem pelo jornal norte-americano New York Times, Grigory Rodchenkov, o antigo chefe do laboratório antidoping de Moscovo, revela que os atletas russos que participaram nos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014 beneficiaram de um sistema de dopagem supervisionado pelo próprio Governo russo, incluindo 15 desportistas medalhados.

Rodchenkov diz ter desenvolvido um cocktail composto por três esteróides anabolisantes e álcool, concebido para reduzir o período temporal em que estas substâncias poderiam ser detectadas em análises. “Estávamos bem equipados, sabíamos o que tínhamos de fazer e fomos perfeitamente preparados para Sochi, como nunca antes havia acontecido, tendo tudo funcionado como um relógio suíço”, denunciou agora o antigo responsável pelo laboratório, depois de ter fugido para os Estados Unidos.

Num relato que faz lembrar uma autêntica operação de espionagem, Rodchenkov relata a forma como membros da equipa da luta antidoping da Rússia e elementos das forças de espionagem estatais substituíam, durante a noite, amostras de urina “contaminada” com substâncias dopantes por outras “limpas”, depois de terem encontrado uma forma de violar o selo supostamente inviolável dos recipientes. Nos cálculos de Rodchenkov, pelo menos cem amostras de urina “contaminada” foram “limpas” desta forma durante a competição.

O resultado desta operação em larga escala foi coroado de sucesso, já que nenhum atleta russo foi apanhado em testes antidoping e a Rússia conseguiu conquistar o maior número de medalhas nos Jogos, batendo com facilidade os Estados Unidos, seu maior rival.

“As pessoas estavam a celebrar os novos campeões olímpicos, enquanto nós parecíamos uns loucos a substituir a urina deles”, diz Rodchenkov, que, depois de Sochi, foi agraciado pelo Presidente russo, Vladimir Putin, com a prestigiada Ordem da Amizade.

Como prova destas acusações, o antigo responsável pelo laboratório antidoping russo — forçado a demitir-se do cargo em finais de 2015, depois do escândalo que envolveu a descoberta de um suposto esquema generalizado de dopagem e que pode vir a impedir que o atletismo russo esteja representado nos Jogos do Rio de Janeiro, este ano — forneceu ao New York Times exemplos de trocas de correio electrónico entre ele e o Ministério do Desporto russo, em que são mencionados os atletas que beneficiaram deste programa.

Já em Los Angeles, por recear pela sua vida — dois antigos colegas de Rodchenkov, ex-responsáveis pelo controlo antidoping russo, morreram de forma inesperada em Fevereiro, com um intervalo de poucas semanas —, o médico assume a responsabilidade de vários actos dos quais foi acusado por uma investigação conduzida em Novembro pela Agência Mundial Antidopagem (AMA). Em muitos casos, Rodchenkov chega até a ir mais longe, afirmando, por exemplo, que, ao contrário do que a AMA refere, não foram centenas mas milhares as amostras de urina “contaminada” que ele destruiu num derradeiro e desesperado esforço para ocultar a extensão do programa de doping russo.

As revelações de Rodchenkov, as primeiras que faz publicamente depois de ter fugido da Rússia, surgem num momento particularmente sensível para o desporto daquele país, uma vez que, nas próximas semanas, será tomada pelas instâncias internacionais uma decisão definitiva em relação à presença ou não de atletas russos nos Jogos Olímpicos de 2016. Para além disso, a Rússia é o país anfitrião do próximo Campeonato do Mundo de futebol, a realizar em 2018.

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