Herança de Oliveira Salazar segue para julgamento em Viseu

Bens que estão na posse da autarquia de Santa Comba Dão são reclamados por um dos herdeiros do antigo presidente do Conselho.

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O espólio pessoal em disputa integra livros, medalhas, selos e documentos Adriano Miranda

O município de Santa Comba Dão e um dos sobrinhos-netos de António de Oliveira Salazar estão a disputar parte da herança do antigo presidente do Conselho. Depois de uma audiência prévia entre as duas partes realizada na manhã desta quarta-feira no Tribunal de Viseu, onde não se chegou a um acordo, ficou decidido que a acção cível segue para julgamento, que ficou marcado para 24 de Novembro. “Trata-se de um processo cível onde se discute a natureza jurídica de transmissão”, explicou ao PÚBLICO a representante legal da Câmara de Santa Comba Dão.

Em causa está parte do espólio constituído por “bens móveis” que um dos herdeiros terá alegadamente doado à Câmara de Santa Comba Dão, concelho onde nasceu o ditador, para integrar o futuro Centro Interpretativo do Estado Novo. O sobrinho-neto, Rui Salazar, pede agora a reversão desses bens que avalia em 320 mil euros, alegando não ter sido oficializada a sua transmissão através de escritura.

“Para todos os bens que foram depositados na câmara ou na Casa da Cultura anteriores a 16 de Maio de 2006 foi feita uma escritura de doação. De todos aqueles que foram entregues com o intuito de se fazer uma doação posterior a essa data não existe escritura”, explicou ao PÚBLICO Rui Salazar.

São esses bens constituídos por documentos, medalhas, livros e selos, entre outros objectos pessoais, que o herdeiro de Oliveira Salazar agora reclama a sua devolução ou o pagamento de uma indemnização.

O sobrinho-neto esclareceu ainda que o processo começou com o anterior executivo municipal e que, apesar da correspondência que na altura manteve com a autarquia, não lhe “pareceu que estivesse interessada em avançar com a escritura”. “Esperei por este [presidente], que também não fez nada para resolver o assunto, o que me leva a depreender que não está também interessado. Por isso, que me devolvam as coisas”, lamentou.

O presidente da Câmara de Santa Comba Dão, Leonel Gouveia, assegurou que os bens são do município e “irão fazer parte do Centro Interpretativo quando ele avançar”. “Continuamos a trabalhar no projecto de constituir este museu”, anunciou o autarca socialista.

Um projecto antigo

O projecto para criação do Centro Interpretativo do Estado Novo já teve os seus altos e baixos. Começou a ser idealizado no ano 2000 e ganhou impulso quando, em 2006, a autarquia recebeu, por doação e com escritura feita, um terço dos bens imóveis da herança da família de Salazar.

O projecto incluía um espaço museológico onde estariam expostos os vários objectos que pertenceram ao antigo presidente do Conselho de Ministros e estava também prevista a reconstrução dos edifícios da família.

Na altura, a ideia de construir o museu gerou polémica, com a autarquia a esclarecer que o objectivo era o de “repor a história e não homenagear o ditador”. Ainda assim, várias vozes levantaram-se contra, foram realizadas manifestações e entregue uma petição na Assembleia da República, na qual figuravam nomes como os de Jerónimo de Sousa, Maria Barroso ou António Dias Lourenço, para inviabilizar o projecto.

O centro interpretativo acabou por não avançar também por falta de capacidade financeira da autarquia e por não haver parceiros que estivessem interessados em investir.

O actual presidente da câmara anunciou, entretanto, que quer recuperar a ideia que pode “alavancar” o turismo no município, embora com alterações ao projecto inicial e envolvendo outras figuras relevantes da época do Estado Novo e mais autarquias.

“Em Santa Comba Dão, queremos um centro que tenha documentos que possam ser estudados por académicos, alunos do secundário e professores. É um centro interpretativo e não uma homenagem. Estamos a falar de um período da nossa história e é isso que está em causa”, defendeu Leonel Gouveia. O centro deverá ficar na antiga escola primária de Vimieiro, a localidade onde nasceu Salazar.

 

 

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