A Gulbenkian abre-se ao jardim para fazer a festa dos 60 anos

Programação começa a 23 de Junho e inclui concertos, exposições, leituras e ateliers. E até um Don Giovanni que junta a orquestra da casa a 30 reclusos. A oferta de exposições parece ser um cartão de visita do museu que há-de-vir.

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Boa parte da programação acontece ao ar-livre, nos jardins da fundação Daniel Rocha

O programa inclui concertos, exposições, filmes, sessões de leitura e workshops e toma conta de vários espaços da Fundação Gulbenkian, em Lisboa, sobretudo no jardim. A ideia é abri-la ao Verão com uma série de propostas que não se limita a combinar diversas linguagens artísticas – entra também nas áreas da educação e do desenvolvimento social.

Jardim de Verão é o nome genérico da programação que a Gulbenkian apresentou esta terça-feira em conferência de imprensa e foi concebida para festejar os 60 anos da fundação. O modelo, explicou Teresa Gouveia, administradora, é completamente novo porque envolve a participação de “praticamente todos os serviços da fundação”, não se confinando aos da área cultural.

Na “oferta plural” que este Jardim de Verão apresenta de 23 de Junho a 3 de Julho merece destaque, enquanto reflexo deste “modelo novo”, o espectáculo Ópera na Prisão (30 de Junho), com direcção artística de Paulo Lameiro. Nele a Orquestra Gulbenkian junta-se a 30 reclusos da Prisão de Leiria para levar ao palco Don Giovanni, de Mozart, sempre a pensar na sua reinserção depois de cumpridas as penas a que foram condenados. O projecto, que resulta do Programa Gulbenkian de Desenvolvimento Humano e envolve também familiares e amigos dos reclusos e até guardas e o director do estabelecimento prisional, começou em 2014 e trabalha a autonomia e as competências sociais através da prática artística.

Os reclusos, que já apresentaram a ópera na prisão de Leiria e estavam longe de imaginar que ela estrearia no Grande Auditório Gulbenkian, farão pouco mais de meia obra, explicou o director artístico, mas para isso tiveram de decorar o texto em italiano, seguir regras a que não estão habituados e conviver com “uma música poderosa”, bem diferente do rap e do afro-beat que ouvem todos os dias.

O cruzamento de linguagens e de universos – não só o do Oriente com o Ocidente, mas também o da cultura erudita e o da cultura popular – é uma marca deste Jardim de Verão, defende o seu comissário geral, Rui Vieira Nery, que o define como um programa de grande interactividade (concertos participativos, ateliers e leituras), profundamente contemporâneo - "estamos atentos ao património mas com um olhar de hoje”, diz – e multicultural. Não podia, aliás, ser de outra maneira: afinal a Gulbenkian existe graças a um fundador arménio, com uma educação inglesa, que viveu primeiro em Paris e depois em Londres, Lisboa…

Esta herança estará também em foco, através de conferências sobre tapetes, conversas à volta da história e da cultura arménias, ateliers de contadores de histórias e sessões de poesia. Mas também na dança da bailarina Shakeh Major Tchilingirian (24 de Junho) e na música de Tigram Hamasyan (1 de Julho), que Nery diz ser “um grande pianista que cruza géneros a partir das suas raízes arménias". Hamasyan, que nasceu em 1987 e cresceu a ouvir os discos do pai (Led Zeppelin, Deep Purple, Queen, Nazareth), combina a folk, a electrónica e o rock, e vai já no quarto álbum, recebendo elogios de históricos como Chick Corea e Herbie Hancock.

Música e exposições

A criação musical é, naturalmente, um dos focos deste Jardim de Verão, com algumas das propostas a passarem por “mulheres fortes de diferentes culturas”, diz o director do serviço de música, Risto Nieminen, chamando a atenção para o concerto inaugural de Les Amazones d’Afrique, encabeçadas por Mariam Doumbia (a metade feminina do duo maliano Amadou & Mariam, que já antes se apresentou na Gulbenkian com grande sucesso), o “primeiro super-agrupamento feminino da África ocidental, fundado em 2015, com um discurso muito forte no combate à violência contra as mulheres”.

O angolano Waldemar Bastos (24 de Junho); o brasileiro Ivan Lins, que será convidado do fadista Carlos do Carmo e da Orquestra Gulbenkian (25 de Junho); e a indiana Anoushka Shankar (3 de Julho, concerto de encerramento), intérprete de sitar que leva ao anfiteatro ao ar livre o seu disco Land of Gold, carregado de toda a sua herança (é filha do histórico músico e compositor Ravi Shankar) e de uma atmosfera espiritual que marca as suas criações, são outros dos destaques.

E, como “a música é demasiado bela para se deixar apenas aos músicos”, o público será chamado a acompanhar o Coro Gulbenkian (2 de Julho) num concerto em que esta formação vai interpretar canções saídas de musicais da Broadway como Os Miseráveis, Música no Coração e O Fantasma da Ópera.

No cinema, além da trilogia As Mil e Uma Noites, de Miguel Gomes (27 a 29 de Junho, Anfiteatro ao Ar Livre), está prevista a projecção de vários filmes da Colecção Moderna do Museu Gulbenkian (agora que a designação Centro de Arte Moderna - CAM - desapareceu). Também no anfiteatro, a 26 e 30 de Junho, serão exibidas criações de artistas como Vasco Araújo, João Onofre, Jan Fabre, Jane & Louise Wilson e Lida Abdul, entre muitos outros.

Linhas do Tempo e Convidados de Verão marcam a programação de exposições. A primeira parece um ensaio, um cartão de visita do que será o novo Museu Gulbenkian, quando a colecção do fundador e a do Centro de Arte Moderna passarem a ter uma leitura integrada; a segunda põe 13 artistas contemporâneos em diálogo com o acervo do museu – nomes como Rui Chafes, Susanne Themlitz, Miguel Branco, Francisco Tropa, Diogo Pimentão – e inclui um conjunto de intervenções escultóricas de Fernanda Fragateiro concebidas para os jardins, uma delas no roseiral.

João Carvalho Dias, um dos comissários de Linhas do Tempo, prefere não falar na sua ligação ao conceito da futura reorganização das colecções de arte da fundação, dizendo apenas que nesta mostra estão a “provocar esse encontro”. Sem um percurso histórico, a exposição vai mostrar até que ponto “Sarkis Gulbenkian era um coleccionador não apenas ecléctico, mas moderno”: “Ele não está só interessado no que de melhor os artistas do passado fizeram, ele está interessado no que se está a fazer no seu tempo.” Não é por acaso, explica, que para a remodelação da sua residência de Paris encomendou o desenho de uma casa-de-banho a René Lalique e as ferragens a Paul Emile Brandt: “Ele podia ter um palacete ao gosto do século XVIII, como teria feito, eventualmente, um homem que fosse absolutamente conservador, mas não o faz.”

Linhas do Tempo (23 de Junho a 2 de Janeiro) parte das coincidências de datas entre a história do fundador e as peças da colecção e as do acervo do antigo CAM. “Há muitos pontos de contacto entre duas colecções aparentemente tão díspares”, diz o conservador, pontos a partir dos quais se pode surpreender o visitante e criar uma “margem de descoberta”. Esses pontos de contacto permitem começar a exposição pelas primeiras peças que Gulbenkian comprou, ainda em território otomano em 1896 (moedas gregas em ouro e prata), e terminá-la com obras de contemporâneos portugueses como Pedro Cabrita Reis e José Pedro Croft.

Pelo meio pode relacionar-se uma toilette Art Déco desenhada por Brandt com uma cadeira do arquitecto finlandês Alvaar Alto saída da colecção de mobiliário do CAM; uma escultura de Apolo de 1790 com outra de São João de 1933; uma encomenda de Gulbenkian a Rodin de 1901 com uma peça do português Francisco Franco do mesmo ano.

Será este Jardim de Verão um primeiro festival de Verão da Gulbenkian? Nery é vago - diz que, para já, esta é uma festa dos 60 anos da fundação e que, de futuro, se podem estudar outros modelos que juntem o Verão aos jardins e ao que de melhor a Gulbenkian sabe fazer.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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