Insolência para a despedida

Axilas, filme-póstumo, traz ecos da melhor faceta da obra de José Fonseca e Costa.

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O filme póstumo de José Fonseca e Costa, que morreu no final do ano passado e cuja última longa-metragem (Viúva Rica Solteira Não Fica) se estreara há sensivelmente dez anos, traz alguns ecos da melhor e mais desopilante faceta da obra do cineasta: aquele humor, quase “negro”, semi-marialva, dirigido a malteses e burgueses, que pontuava e alimentava, por exemplo, A Mulher do Próximo. Adapta um conto de Rubem Fonseca sobre um homem com uma fixação erótica em axilas femininas, e o seu ponto forte é quando faz desta fixação a própria fixação do filme, num absurdo (quase) malcriado e com os seus toques proto-buñuelianos. Isto pedia um filme “de câmara”, um cortar de amarras com a realidade envolvente – mas é precisamente quando Axilas se quer aproximar da realidade, e do retrato social, que se dispersa, multiplicando-se em personagens e em apartes que acrescentam pouco, e trazem, frequentemente, uma aragem daquela falsidade do “naturalismo televisivo” que vem apenas desequilibrar o filme.

Longe de ser tão conseguido como A Mulher do Próximo (para nós, a melhor comédia de Fonseca e Costa e, com Sem Sombra de Pecado, um dos seus dois melhores filmes) Axilas é uma despedida digna de um cineasta de altos e baixos – às vezes, altos e baixos dentro do mesmo filme, como é o caso – mas que guardou até ao fim uma reserva de idiossincrasia que nunca foi tão interessante como quando, e é o que se passa aqui, se resolvia em insolência.

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