Um diferendo entre duas jornalistas

Já declarei a minha incorrecta interpretação e já assumi, de modo bem claro, o meu erro.

Na minha página do passado dia 2 de Maio, sob o título acima designado fiz uma pequena nota a dizer que recebera da jornalista Diana Duarte (RTP) uma queixa contra a jornalista Ana Cristina Pereira a propósito de uma notícia publicada no PÚBLICO, a 26.04.2016. Informava apenas que se tratava de uma notícia sobre um estudante português que teria sido vítima de ataque racista na Polónia. O caso – acrescentava eu sem mais pormenores – teve ainda como consequências o afastamento de outros 15 alunos que estavam a fazer Erasmus em Rzeszow. Baseado no princípio estatutário que sou provedor dos leitores e não dos jornalistas, neguei-me a ajuizar a questão e, erradamente, reconheço desde já, declarei que, “se entretanto, a Diana Duarte não chegasse a acordo com a Ana Cristina Pereira, deveria apresentar queixa ao Conselho de Redacção do PÚBLICO, a quem competirá dirimir a questão”. Já declarei a minha incorrecta interpretação e já assumi, de modo bem claro, o meu erro.

Reacção do Conselho de Redacção do PÚBLICO.

De imediato recebi do Conselho de Redacção do PÚBLICO a seguinte nota de protesto:

“O Conselho de Redacção não pode deixar de lhe dar conta da sua estupefacção com a nota, ‘Um Diferendo Entre Duas Jornalistas’, publicada na sua coluna de segunda-feira 2 de Maio, e que refere a existência de uma queixa contra a jornalista Ana Cristina Pereira apresentada pela jornalista da RTP, Diana Duarte, a propósito de uma notícia sobre um ataque a um estudante português na Polónia. Incompreensivelmente, a nota publicada nada diz sobre o conteúdo da queixa, ou a resposta da jornalista do PÚBLICO – apenas remete para uma “reflexão” feita pelo Provedor sobre o caso, e a sua conclusão de que se a jornalista da RTP “não chegar a acordo” com a Ana Cristina Pereira, “deverá apresentar queixa ao CR”, a quem aparentemente competirá “dirimir a questão”.

Ora, apesar de não ser competência nem intenção do CR pronunciar-se sobre as opiniões do Provedor, entendemos que a nota em causa lança uma suspeita que não é substanciada contra o trabalho da jornalista Ana Cristina Pereira. Ao não explicitar o conteúdo da queixa, ao omitir a defesa da jornalista, ao abster-se de apresentar a sua própria reflexão sobre o caso, mas sugerindo que terá gravidade suficiente para ser tratada pelo CR, o Provedor não esclareceu os leitores, apenas levantou uma acusação sem fundamentos nem provas contra a jornalista em causa – facto que o CR não pode deixar de lamenta.”

O Conselho de Redacção

Comentário do provedor

1. Toda esta nota que emiti partia de um pressuposto que julgo estar defendido pelo Estatuto do Provedor do Leitor. Como advoguei desde sempre, disse que não avaliaria a queixa por não julgar na esfera das minhas competências.

2. Baseado neste princípio, propositadamente, não me pareceu curial dar conta do conteúdo. Seria sempre pertença de quem viesse a ajuizar o caso. Querendo assim manter a neutralidade e não dando pistas, certas ou erradas, para o eventual ajuizador. Omiti o conteúdo da queixa da jornalista, Diana Duarte, bem como a resposta que recebera da jornalista Ana Cristina Pereira, no respeito dos princípios já anunciados. Entendi que eram reserva de um eventual ajuizador.

3. Não me parece que afirmar publicamente uma queixa recebida contra uma jornalista, e que tal se mantém em apreciação, seja, em caso algum, fazer uma “acusação grave” contra uma jornalista. Aliás, tenho admiração e respeito profissional, pela jornalista Ana Cristina Pereira. E constato a consideração que pela mesma tem o Conselho de Redacção. Mas, se o CR entende que isso só por si constitui uma “lamentável” falta do provedor, lamento duplamente pelo entendimento feito pelo CR e pelo meu não entendimento por mim feito. E lamento também a interpretação lata e errada que fiz do Artigo 1º do Estatuto do Conselho de Redacção do PÚBLICO: “O CR do PÚBLICO, o órgão representativo dos jornalistas em questões deontológicas e profissionais”.

4. Mas, como nem eu me considero competente para avaliar este caso, nem tão pouco o Conselho de Redacção do PÚBLICO, talvez este seja um caso para o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas se poder pronunciar.  

5. Entretanto, devo deixar claro que, em relação à “estupefacção” manifestada pelo Conselho de Redacção do PÚBLICO, eu enviara o seguinte ofício: Terei de vos pedir desculpa de uma interpretação não fundamentada que adoptei, partindo do princípio que um diferendo entre duas jornalistas, (mesmo uma externa e outra interna,) a instância indicada para a avaliar a situação seria o CR. Hoje reli bem o estatuto do CR e vi que estava bem enganado. Peço-vos de novo desculpa. Quanto ao facto de não ter acrescentado nada à notícia e indicado outros pormenores da missiva da Diana Duarte contra a Ana Cristina Pereira, a minha intenção, a partir do pressuposto de que parti, erradamente, de que seria o CR a averiguar a questão, achei que não deveria avançar com quaisquer outros pormenores.

Estando bem definido e claro que não cabe ao Conselho de Redacção averiguar a questão, mas que também ao provedor do leitor, por estatuto, não compete, vou pensar o que devo fazer. Acho estranho que, legitima e devidamente defenda que não lhe cabe o ajuizamento deste caso ou outros semelhantes, o que já reconheci ser meu erro embora sem qualquer “estupefacção” o CR tente “empurrar” para o provedor dos leitores a avaliação do caso.

6. Mas já, agora, na qualidade de provedor dos leitores, peço a estes que avaliem as duas posições assumidas por mim e pelo Conselho de Redação.

 

As notícias não podem ser sujas

O jornalismo vive hoje tempos que não são nada fáceis. E creio que, para além de muitas outras condições para a sua defesa, (condições económicas e financeiras, etc.) é a prática de uma seriedade que transparentemente convença o público da construção notícia entre os factos, os acontecimentos e as situações com a mais directa e possível veracidade. O público não perdoa a falta de verdade da notícia e esta circunstância é aquela que, porventura, mais contribui para que, a pouco e pouco, perca a credibilidade no seu jornal. Ora, estamos num tempo de voragem de notícias. E num mundo mediático em contínuo frenesim, é natural que cada media queira surgir, em primeiro lugar, a dar informação que tem em caixa. Pressente-se, por isso, no espaço mediático um clima de desassossego e de uma enorme movimentação de derrame de notícias, sem aquele cuidado de reunir os requisitos que devem ornar uma notícia. Prefere-se a especulação, a novidade inédita e ainda não dada, à preservação das tais condições que possam inspirar ao público leitor ou ao telespectador sinais de confiança e veracidade. É verdade que, hoje, já não há notícias “secas”. Isto é, a notícia não dispensa o enquadramento com os factos noticiados. A notícia sem fugir a correlação com os factos e as situações para se tornar atractiva e colher a atenção do público, tem de ser imaginativa, criativa, no seu modo de contar factos e situações.
Mas, sinceramente, o que hoje constato é um volume notícias que quase em seguida têm o seu desmentido com uma desfaçatez impressionante de um simples pedido de desculpas. Obviamente, que as desculpas vêm “enroupadas” numa série de justificações. Nem sei como não há mais pedidos de indemnização pela falsa notícia e especialmente a junção de nomes de pessoas que nunca tiveram a ver nada com o assunto. As notícias não podem ser sujas.

Sugerir correcção
Comentar