Maria projectou outra vida para uma ilha do Porto e a ONU aplaudiu

Estudante de arquitectura da Universidade do Porto foi premiada pelas Nações Unidas por um projecto de reabilitação de uma das quase mil ilhas existentes na cidade

Maria é finalista do mestrado integrado em arquitectura da Faculdade de Arquitectura da UP Catarina Andrade
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Maria é finalista do mestrado integrado em arquitectura da Faculdade de Arquitectura da UP Catarina Andrade
Catarina Andrade
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Catarina Andrade

Maria Abreu chega ao portão da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, na Rua dos Bragas, de guarda-chuva aberto. O dia cinzento e chuvoso contrasta com o calor dos dias anteriores. Um pouco mais acima, por detrás de uma porta entreaberta – que passaria despercebida se estivesse fechada – está a ilha para a qual Maria fez um projecto de reabilitação. O trabalho da estudante da UP recebeu uma Menção Honrosa no concurso internacional de ideias “Integrated Communities: A Society for All Ages”, promovido pelo International Council for Caring Communities (ICCC) e pela Organização das Nações Unidas (ONU), através do programa Human Settlements.

Lá dentro, depois de se passar por um estreito corredor, uma das casas está em obras. Os trabalhadores dão as boas-vindas, explicando que estão a trabalhar na obra, mas que pode entrar e tirar fotografias. Maria olha para aquela ilha com olhos de quem já conhece os cantos à casa. Afinal, trabalhou durante todo o ano lectivo num projecto para tentar encontrar uma “solução” para aquele espaço. Como finalista do mestrado integrado em arquitectura da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP), Maria teve de fazer uma tese e, como queria algo “teórico e prático”, achou que participando num concurso teria “um bom tema”. “Pesquisei um bocadinho e encontrei este concurso no site da Ordem dos Arquitectos”, conta.

“É muito pertinente falar sobre a questão do envelhecimento e como é que se pode continuar a dar qualidade de vida aos idosos e não perpetuar a ideia de invalidez, de que a partir de uma certa idade se fica inútil para a sociedade”, acrescenta Maria.

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Projecto prevê a junção de casas abandonadas para aumentar as habitadas Catarina Andrade

A escolha do Porto e das ilhas é fácil de explicar para a amarantina: “Vivo aqui já há seis anos e, na altura em que encontrei o concurso, saiu um relatório da ONU com a análise da população mundial e Portugal estava em quarto lugar na lista dos seis países com o envelhecimento cada vez mais exponencial”. Assim, um projecto de reabilitação de uma ilha da cidade do Porto, onde vivem muitos idosos, pareceu-lhe “pertinente”. “Tentei ir um bocadinho contra a ideia de lar e de centro de dia, porque a verdade é que, para as pessoas mais velhas, a casa é um factor muito importante e, apesar das más condições das ilhas, ainda há muita gente que quer continuar a viver lá porque há um sentido de vizinhança, de família e de pertença muito grande”, justifica Maria Abreu.

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Melhorar condições das casas e criar espaços de convívio para várias gerações são as prioridades Catarina Andrade

Casas típicas com poucas condições

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Naquele quarteirão, aquela é apenas uma de muitas ilhas existentes, vai contando a jovem de 23 anos enquanto avança no bairro operário. “Apesar de estarem escondidas, ainda existem cerca 950 ilhas no Porto”, explica a estudante com entusiasmo. “São espaços que caracterizam muito o Porto”, continua. Maria vai olhando para cada edifício e indicando o que é que projectou para cada espaço. Teve em conta duas grandes preocupações: a habitação e a criação de um espaço intergeracional. Entre as pequenas casas com estendais e pequenos jardins improvisados há um espaço no meio da ilha onde estão as latrinas. “Ainda existem casas de banho comuns a todos, apesar de já haver casas com os segundos pisos construídos e, portanto, já foram resolvendo essa situação, mas continuam a ser casas muito pequenas e com pouca acessibilidade.”

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Projecção feita pela estudante

Aparece à porta de uma das casas uma senhora com um avental. Pergunta se somos da câmara municipal. Perante a reposta negativa, fica desiludida. Chama-se Laura e não quer tirar fotografias. Vive ali há 60 anos e explica que nem precisa de grandes obras, queria apenas ter casa de banho dentro de casa. Maria vai continuando a falar das ideias do seu projecto: “Pensando em alguém mais velho, que precisa de ter mais mobilidade dentro de casa, o primeiro objectivo foi expandir o módulo de habitação, porque há sempre casas abandonadas que não têm ninguém. E, portanto, a primeira ideia foi transformar duas casas numa só.” Dessa forma, as casas poderiam ter “ter uma fachada maior, com mais janelas, e criar alguma ventilação”. 

Para além da reabilitação das casas e da criação de melhores condições de vida, o projecto também prevê a promoção da interacção intergeracional, ponto que era exigido pelo concurso internacional. “Tendo em conta que o Porto é uma cidade universitária e existem vários campus espalhados pela cidade, achei que seria giro criar essa mistura, através de um programa que ligasse as faculdades próximas à ilha”, esclarece a aluna. “Visitei esta ilha aqui na rua dos Bragas, pela proximidade com a faculdade de direito, e surgiu a ideia de, à entrada da ilha, criar um espaço comum para os estudantes como uma cantina com preços acessíveis, que os próprios moradores pudessem usar ou até gerir”, explica Maria. “E depois, no final da ilha, mais dois espaços com esse propósito, locais para ‘workshops’, conferências, conversas entre alunos e moradores. A ideia era também que houvesse uma certa troca de conhecimentos – porque dizem que os mais idosos têm sempre alguma coisa a dizer e querem companhia, querem falar”, conclui.

Sobre a experiência na sede da ONU, em Nova Iorque, onde foi receber o prémio, Maria afirma que foi “espectacular”. “Foi uma sessão propositada para aquele evento e estive com vários arquitectos e vários membros da ONU na mesma sala a apresentar projectos e, portanto, foi um privilégio”, recorda a estudante. Por enquanto, o trabalho de Maria Abreu vai ficar-se pelo papel. “Para já é só uma ideia, é só uma solução”, realça. Para a estudante, “a arquitectura deve ser um mecanismo de resolução de conflitos geracionais”.

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