A psico-história aplicada à economia portuguesa

Diga-se a bem da verdade que os dotes de Paul Krugman como adivinhador nunca foram grande coisa.

Em adolescente, Paul Krugman queria ser psico-historiador e o seu livro de eleição era a Trilogia da Fundação de Isaac Asimov. Krugman queria prever o futuro e como a psico-história de Asimov era uma ciência fictícia, o Nobel escolheu estudar Economia; uma ciência que aqui e ali também vai ensaiando modelos para prever o futuro, naturalmente sempre constrangida por hipóteses como aquela do ceteris paribus, em que pedimos ao mundo para ficar quieto para que, no final, as nossas contas possam bater certo.

Diga-se a bem da verdade que os dotes de Paul Krugman como adivinho nunca foram grande coisa. Há-de persegui-lo para o resto da vida a previsão que fez em 1998 a pré-anunciar o fim da Internet: “O crescimento da Internet vai baixar radicalmente, já que existe uma falha na Lei de Metcalfe que se está a tornar evidente: a maior parte das pessoas não têm nada para dizer umas às outras. Em 2005, mais coisa menos coisa, ficará claro que o impacto da Internet na economia não terá sido maior do que a máquina de fax.”

A Lei de Metcalfe, ao contrário dos conceitos mais tradicionais da economia, diz que o preço ou o valor de um bem não depende apenas da sua escassez. Defende que o valor de um bem também sobe com o aumento do número de utilizadores. Simplificando, se eu tiver um telefone e mais ninguém tiver um, o meu telefone não vale grande coisa. Mas se duas pessoas tiverem um telefone, o meu já vale qualquer coisa. E se milhares o tiverem, o valor do meu vai aumentando segundo uma fórmula matemática inventada por Robert Metcalfe. Para Paul Krugman, como as pessoas não tinham grande coisa para dizer umas às outras na Internet, essa tecnologia tinha os dias contados. O ano de 2005 passou e a Internet foi ficando.

Apesar de mais tarde ter vindo dizer que estava apenas a tentar ser “engraçado e provocador”, Paul Krugman não deixou que a troça das pessoas lhe tolhesse a sua veia de psico-historiador. Ainda alguns se lembrarão quando em Maio de 2012, no pico da crise financeira, Paul Krugman antecipava no seu blogue no New York Times "uma saída da Grécia do euro, muito possivelmente no próximo mês". Chegámos a Junho de 2012 e a Grécia continuava no euro. Mais ou menos na mesma altura, Krugman também veio anunciar que o “fim do euro” estaria próximo, provavelmente “dentro de meses, e não de anos”, se a Alemanha não alterasse a sua estratégia. Passaram-se uns meses e uns anos e o euro continua por cá. Esta semana, o mediático Nobel da Economia regressou a Portugal e lançou mais uma das profecias krugmanianas – sobre o "Brexit" disse: “O meu palpite é que o Reino Unido não vai sair da União Europeia.” Foi então que comecei a temer que o Reino Unido realmente seja muito capaz de sair da União Europeia.

Paul Krugman foi, ao longo dos últimos anos, um acérrimo combatente da austeridade, servindo de inspiração a vários partidos políticos que por esta Europa fora precisavam de uma bênção ideológica para bater o pé à ortodoxia financeira da Alemanha e para provar que o keynesianismo não estava enterrado. Esta semana, em Lisboa, o economista norte-americano, para contentamento de alguma esquerda cá do burgo, trouxe os seus PowerPoint, em que se lê que “a Comissão Europeia devia relaxar um pouco”, que Bruxelas “está obcecada com números” e que a Europa acha que “todos os problemas são o resultado de pecados orçamentais”.

Dizer isto num país como Portugal é a mesma coisa que atirar combustível para a fogueira, sobretudo numa altura em que o rácio da dívida pública está perto dos 130%. Em 1976, quando esteve em Portugal pela primeira vez com um grupo de alunos de doutoramento do MIT (entre os quais Miguel Beleza), fez um estudo sobre a economia portuguesa a pedido de Silva Lopes para concluir, entre outras coisas, que Portugal não podia continuar a endividar-se e a gastar as reservas de ouro e divisas para sustentar o aumento do consumo público e privado. Uns anos mais tarde, e falando dessa experiência, Paul Krugman dizia numa entrevista ao Semanário Económico que Portugal "se parecia muito com um país da América Latina".

Quarenta anos volvidos, ainda há muitas coisas em Portugal que fazem lembrar a América Latina. A indisciplina orçamental é só uma delas, como se percebeu esta semana pelas previsões de Primavera da Comissão Europeia. O clientelismo do Estado é outra, como se percebeu pela notícia de ontem do PÚBLICO em que se dava conta de que em apenas quatro meses o Governo já tinha escolhido 273 novos dirigentes sem concurso público, mantendo a tradição dos governos anteriores. A não continuidade de políticas estruturais quando muda o Governo é outra. Esta semana foi a vez de o Governo se preparar para, por pura ideologia, rasgar os acordos com os colégios que têm contratos de associação com o Estado. E já equaciona fazer tábua rasa do princípio do utilizador-pagador nas ex-Scut.

Numa entrevista ontem ao Jornal de Negócios e à Renascença, Paul Krugman dizia que o que aconteceu em Portugal “não é um desastre completo, é só muito mau”. E tem razão. Mas não venham dizer que a culpa é só da Alemanha, para não entrarmos no campo da psico-história.

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