Concessionária de parquímetros do Porto faz "cobranças ilegais", diz fiscalista

Especialista considera que empresa não pode cobrar quantias que excedam o valor real do estacionamento

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Câmara do Porto não consegue fiscalizar se é pago ou não o estacionamento em muitas das zonas com parquímetros Adriano Miranda

A concessionária dos parquímetros do Porto está a fazer "cobranças ilegais" com avisos de pagamento que são "multas encapotadas", por corresponderem a valores superiores ao da utilização efectiva do espaço, alertou esta quinta-feira o fiscalista Pedro Marinho Falcão.

Em declarações à Lusa, o advogado diz que "sempre que uma entidade privada exige uma taxa administrativa que excede, total ou parcialmente, o período de utilização da via pública, essa quantia é uma sanção escondida, é uma multa encapotada" e "não há dúvidas de que uma empresa não tem competência para aplicar qualquer sanção a quem utiliza os arruamentos públicos".

A Câmara do Porto, através de Nuno Santos, adjunto do presidente da autarquia, Rui Moreira, garante estar "absolutamente convicta da legalidade de todo o processo" de concessão e diz que a autarquia não tem conhecimento nem recebeu qualquer queixa relativa a esta matéria.

Marinho Falcão referia-se aos "avisos de pagamento" por "estacionamento indevido", da empresa dos parquímetros do Porto a "solicitar o pagamento da taxa de 12 euros" pelo estacionamento sem pagamento, quando as taxas em vigor são de 50 cêntimos ou um euro por hora, dependendo das zonas da cidade.

O pagamento apenas é devido entre as 8h e as 20h e autorizado por duas horas, de acordo com a sinalização colocada no local e, num dos casos analisados pelo advogado fiscalista, a empresa cobrou 12 euros (um dia inteiro de utilização do lugar de estacionamento) pela ocupação de pouco mais de uma hora (o aviso de pagamento refere a hora a que o veículo foi detectado em infracção).

"É uma cobrança ilegal, porque estão a aplicar uma taxa administrativa que excede o período de utilização. O que é isto, senão cobrar ao infractor uma sanção que corresponde a um pagamento superior ao devido? É uma multa escondida", avisa o advogado, representante legal da Associação Portuguesa de Direito do Consumo (APDC) numa acção popular movida contra o Estado, por considerar ilegais e inconstitucionais os métodos de cobrança das portagens das ex-Scut.

Marinho Falcão considera que, para além de ilegal, a situação é "eticamente reprovável", até porque os privados e as autarquias "fazem-se valer da relação custo-benefício" da única opção que resta a quem não paga: avançar para tribunal, com todos as despesas daí decorrentes.

"Eticamente, isto é reprovável, porque o valor subjacente a esta taxa não compensa a acção que o particular possa vir a desencadear. É muito mais simples pagar do que contratar um advogada e ir para tribunal discutir a questão", observa o fiscalista. "As câmaras municipais fazem-se valer desta relação custo-benefício para criar este tipo de multas encapotadas porque, na esmagadora maioria dos casos, os cidadãos preferem pagar", acrescenta.

O advogado admite que, no caso do Porto, é a empresa que arrecada o valor, mas a câmara "não pode ignorar a cobrança indevida". "Pelo menos pelo silêncio e pela inércia, a Câmara do Porto está a ser conivente com a possibilidade de uma entidade privada cobrar taxas ilegais", destaca Marinho Falcão, notando que autarquia "tem competência para travar este tipo de cobrança e impedir que o privado a exija aos cidadãos".

Contactado pela Lusa, o adjunto do presidente da Câmara do Porto, Nuno Santos, disse que a questão "nunca foi apresentada à autarquia", notando que o sistema de cobrança usado na empresa "é, em tudo, idêntico ao utilizado em parques de estacionamento e portagens, ou seja, no caso de não haver talão, presume-se a extensão/duração máxima da utilização".

"A câmara está absolutamente convicta da legalidade de todo o processo. Houve um problema relacionado com as matrículas, que foi detectado por uma entidade reguladora, e essa questão foi corrigida e está corrigida", vincou.

Na sequência destas declarações, a CDU criticou o "silêncio da Câmara do Porto" sobre as dúvidas geradas, denunciando o que diz ser "uma lista negra de automobilistas a perseguir".

Em declarações à Lusa, Belmiro Magalhães, representante da CDU na Assembleia Municipal (AM) do Porto, explicou que "os fiscais da empresa trabalham com uma listagem de carros a que têm de estar atentos" e, no caso de três ou mais infracções, os condutores podem ser chamados a "pagar quase 200 euros: 12 euros pela infracção, 36 euros pelas infracções anteriores, 30 euros da contra-ordenação e 103 ou 67 euros se o carro for rebocado ou bloqueado".

O deputado destacou outras "dúvidas que têm sido colocadas sobre montantes cobrados e competências legais da concessionária" para considerar "inaceitável" que a Câmara do Porto não "assuma responsabilidades", sobretudo porque "há fiscais municipais envolvidos no controlo do estacionamento e partilha de receitas". "No fundo, está tudo em dúvida e a câmara permanece em silêncio", lamentou.

"A Câmara do Porto não tem sido capaz de esclarecer a situação, confirmando, com o silêncio, que transformou um instrumento de gestão de mobilidade num autêntico negócio de caça à multa. Vale tudo para ir buscar uns euros", acrescentou o comunista.

O deputado municipal afirma ainda que a CDU tem "muitas dúvidas em relação aos montantes cobrados mas também ao acumular de vários valores". "Se as viaturas com três ou mais infracções forem bloqueadas ou rebocadas, o automobilista é confrontado com a necessidade de pagar o reboque (103 euros) ou o desbloqueio (67 euros), mas também 6 ou 12 euros, dependendo da zona da onde estacionou. Há aqui um acumular de penalizações", observa Belmiro Magalhães, notando que, para além disso, a pessoa "é confrontada com o pagamento dos vários avisos anteriores deixados pela concessionária".

Também José Castro, deputado do Bloco de Esquerda na AM do Porto, vincou que o problema da mobilidade e do estacionamento "foi tratado pela câmara apenas com uma visão financeira para dar dinheiro rápido". "Com base na receita, a câmara deixou a concessionária em roda livre", afirmou o bloquista.     

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