Use-IT Porto: Um mapa para os viajantes jovens que querem visitar o menos óbvio

É um mapa gratuito feito por locais para um "público desinibido e interessado" que procura fazer uma viagem mais autêntica e alternativa q.b.. "Que não quer ver a Torre dos Clérigos e a livraria Lello e ir para casa", resume o editor Carlos Mesquita. Porto é a mais recente cidade portuguesa a aderir

As ilustrações são de Bruno Borges
Fotogaleria
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Paulo Pimenta

Quando visita uma cidade estrangeira e fica a acampar no sofá de um amigo, há sempre aquele momento em que, a meio do pequeno-almoço, entre uma torrada e um café, ele rabisca num guardanapo um roteiro improvisado, repleto de locais imperdíveis que não aparecem nos guias turísticos convencionais. Os mapas Use-IT são precisamente isso, a materialização desse momento. “É só um guardanapo maior, mas a ideia é essa”, diz Carlos Azeredo Mesquita, autor desta expressiva analogia e ideólogo da chegada desta rede internacional ao Porto e a outras cidades portuguesas. “É isso que tu queres ter. É sentires que trataram bem de ti.”

Depois da primeira edição em 2011, o Use-IT Porto tem, desde Novembro, uma segunda versão, com uma tiragem de 50 mil exemplares. Todo em inglês, é um mapa irreverente, totalmente gratuito, “feito por locais” para “viajantes jovens”, como a capa anuncia. E isso nota-se em tudo: no design de Carlos (o editor), nas ilustrações de Bruno Borges, mas principalmente nas várias sugestões turísticas “fora da caixa” (há, por exemplo, uma lista de espaços artísticos independentes, como o Sismógrafo e o Espaço Mira), nas preciosas dicas das secções D.I.Y. Food ou Act Like a Local (os visitantes tanto aprendem a cozinhar bacalhau desfiado com grão como a usar “morcão” e “carago” e a seguir o “kissing protocol”) e nas muitas histórias que adicionam um certo “colorido” à cidade (não vamos desvendar muito, mas a surpreendente história de Henriqueta Emília da Conceição faz parte da apresentação do Cemitério Prado de Repouso). 

A selecção dos locais nunca é muito “óbvia” até porque o objectivo passa por chegar a um “público desinibido, interessado, que não quer ver a Torre dos Clérigos e a livraria Lello e ir para casa”. Que procura fazer uma "viagem mais autêntica", "cool" e "alternativa" q.b. Por isso, entre os sítios mais comuns e quase obrigatórios, há outros, como as lojas Mon Père e Cru, os restaurantes, para diferentes ocasiões, Nabos da Púcara e Rei dos Galos, os bares Cave 45 e, no completo roteiro LGBT, Syndikato e até as “ilhas” do Bairro Herculano. Fora do centro também há vida: estão lá as praias de Gaia, Matosinhos, Foz. “Um mapa como este tem um impacto económico real: está a direccionar pessoas para sítios que provavelmente não receberiam muitas pessoas”, enfatiza Carlos, para quem uma das maiores vantagens do Use-IT é também “aliviar pressão de sítios que já são hiper-visitados”. Afinal, considera, o turismo "não tem de ser forçosamente delapidador da cidade": "Pode ser consciente e mudar vidas". 

Um mapa que muda viagens
Para Carlos, a entrada na rede internacional Use-IT deu-se há seis anos, quando ainda estava a estudar Design Gráfico e foi passar férias à Polónia. Em Varsóvia, uns amigos deram-lhe um destes mapas da cidade, editado por essa altura. “Varsóvia não é nada amigável, não é acolhedora”, recorda o jovem artista de 28 anos, que em 2010 venceu o BES Revelação. “Puseram-me este mapa na mão e mudou completamente a minha viagem. Adorei a cidade.” De regresso ao Porto, e como ferveroso adepto do “couchsurfing”, recebia imensa gente em casa e dava por si a contar sempre as mesmas histórias, a dar as mesmas dicas, não sabemos se ao pequeno-almoço. Decidiu, então, propor à rede Use-IT, sediada em Bruxelas, criar o mapa da sua cidade.

Os mapas são sempre fruto de iniciativas locais como esta. A organização belga apenas estabelece determinados critérios que têm de ser cumpridos, de modo a haver uma unidade entre os vários mapas existentes na Europa (são quase 30, mas vários estão em desenvolvimento). O financiamento, porém, vem sempre do turismo das cidades, de modo a assegurar a "independência" dos conteúdos. Foi o que aconteceu no Porto. Editado pela associação cultural Calote Esférica, de Carlos e Maria João Macedo, o Use-IT foi financiado pelo Visit Porto — a própria directora do departamento de Turismo usou um destes mapas em Praga e ficou convencida. “Não é um trabalho de voluntariado”, avisa o editor, orgulhoso, visto que toda a a equipa envolvida no projecto foi paga segundo os valores de mercado, o que, nos dias que correm, começa a ser raro. Se o financiamento se mantiver, será renovado e reescrito ao fim de um ano. “É uma pedra de toque do projecto. A informação muda, os locais mudam, não faz sentido manter um projecto como este vivo mais do que um ano.” E, de facto, algumas informações já estão desactualizadas: a Feira da Vandoma, por exemplo, entretanto realiza-se em Campanhã e o histórico Cardoso Cabeleireiro mudou-se para uma nova loja, umas portas abaixo. 

Os turistas, garante Carlos, já descobriram o Use-IT. Falta a cidade, berço de um “mercado explosivo de Airbnb”, saber que ele existe. As vantagens são reais, diz o editor, citando um estudo feito pela rede internacional em 2014: 10% dos 2404 inquiridos disseram ter ficado mais uma noite numa cidade por causa do mapa e 79% planeavam ir no ano seguinte a um dado local só por causa do mesmo. Um outro objectivo é editar novos mapas em Braga e Guimarães, cidades que já os tiveram em 2012 a propósito da Capital Europeia da Juventude e Capital Europeia da Cultura respectivamente, e quem sabe em Coimbra. “Neste momento ter uma rede minhota faria todo o sentido, mas não tem sido muito fácil. Depende sempre do turismo local”, admite o editor.

O Use-IT Porto pode ser encontrado em todos os postos de turismo do Porto (por vezes a pedido), nos quase 50 “hostels” existentes na cidade e é também distribuído através dos gabinetes Erasmus das faculdades. Também está disponível para impressão no site e, para os menos analógicos, há uma “app” gratuita, disponível, para já, apenas para iPhone. Mas com uma particularidade curiosa: é possível passear um cão virtual pela cidade. Basicamente, no mapa digital, há um ícone com um simpático cão que passeia por um dado roteiro, fora do centro turístico. Se o visitante decidir fazer esse trajecto, ou seja, passear o cão, ainda pode fazer amigos, descreve Carlos: “Se vires alguém a olhar para o telefone e a fazer o mesmo percurso que tu é porque provavelmente estão a passear o mesmo cão. Tendo em conta que este mapa também se direcciona a viajantes solitários ou que não estão em grupos é uma forma de criar alguma interacção. A seguir podes dizer: vamos passear o cão... em conjunto?”

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