No tempo do Salazar é que era!

Por causa da “crise“, um quinto dos portugueses, mais coisa menos coisa dois milhões de pessoas, pensa que o melhor é desenterrar o Salazar lá de Comba Dão mais os “Pides“ todos e pôr tudo em ordem!

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Adriano Miranda

Mais uma vez os portugueses estão de parabéns. Isto se tivermos em conta um estudo recente, o qual demonstra como a crise leva um quinto dos portugueses a terem saudade dos tempos antes do 25 de Abril até porque “no tempo do Salazar é que era!“.

Lá para os meus lados habituei-me a crescer com tais impropérios, tantas vezes cuspidos da boca de quem, no meio de um autocarro atulhado e de uma vida atulhada e de um futuro atulhado a caminho de lado nenhum, procurava assim encontrar justificação para a sua própria desgraça a qual, de maneira alguma, descendia directamente da liberdade e da democracia. Antes pelo contrário, porque dependendo da ditadura, o mais provável era tais vernáculos nem sequer encontrarem o caminho do estômago para a boca sob pena de verem os dentes estilhaçados na força bruta de uma boa coronhada.

Portanto, nem que seja para se poder dizer mal da democracia, já valeu a pena fazer a revolução! Infelizmente, e por causa da “crise“, um quinto dos portugueses, mais coisa menos coisa dois milhões de pessoas, parece pensar de forma contrária, pelo que o melhor é desenterrar o Salazar lá de Comba Dão mais os “Pides“ todos e pôr tudo em ordem! Assim, quando as ossadas do “Tó“ estiverem de novo na cadeira (desta feita pregada ao chão, não vá a maldita cair), mal posso esperar pelas perseguições, prisões, torturas, assassinatos, condenações sem direito a defesa ou julgamento, 13 anos de guerra colonial e 10000 mortos, um milhão de portugueses emigrados (para não dizer refugiados, como hoje são os sírios, mas na altura sem mochilas, essa invenção moderna, apenas malas de cartão e, como hoje, apenas os pés para andar), a livre discriminação das mulheres, forçadas a ficar em casa, sem direito a voto ou opinião, apenas direito à porrada (e não metas a colher), subnutrição generalizada, o analfabetismo a assinar de cruz, o trabalho de sol a sol pago ao dia sem direito a descanso, férias, reforma ou contrato, o domínio da Igreja sobre os corações e as almas de todo um povo feito refém de medos e castigos divinos que não existem senão nas mentes pérfidas de um clero que pouco ou nada fez em nome de um Jesus, mas muito em proveito próprio, enfim, entre tantas outras aberrações inenarráveis, a lista é por demais infindável quando se fala não apenas de uma ditadura, mas da nossa ditadura em particular, aquela de quem um quinto dos portugueses tem hoje tanta saudade...

Não foi há muito tempo que um programa de televisão intitulado “Grandes Portugueses“ elegeu, por voto dos telespectadores, António de Oliveira Salazar como o maior português de todos os tempos, isto em 2007, 33 anos após o fim da ditadura, e ainda nem sequer se ouvia a palavra “crise“.

Portanto, amigos e amigas, senhores e senhoras, isto da saudade salazarista não é de agora, já anda connosco de há algum tempo para cá. Preocupante é não recrudescer, antes pelo contrário, contando já com cerca de dois milhões de adeptos num país onde o embrutecimento ganha terreno a olhos vistos perante a passividade de um povo adormecido entre a televisão e as redes sociais, mais perto do Norte de África do que da América e onde o sonho é mesmo isso, um sonho, do qual é urgente acordar.

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