A Europa em declínio ?

A Europa parece não antever perspicazmente as complexas tendências das próximas décadas.

A integração europeia nasceu como uma ideia inteligente. Lamentavelmente, alguns transformaram-na num dogma. Raramente os dogmas são inteligentes ou criativos. Mais de meio século decorreu e, enquanto a Europa em êxtase se incensa a si própria, perde a percepção estratégica do complexo mundo novo que a envolve. Não surpreendem os contrastes entre a pujança elegante das grandes declarações e a preocupante realidade. Talvez a maior ajuda ao “projecto” europeu seja ter a coragem e a sensatez de repensar sem fundamentalismos.

Durante mais de 4 séculos o mundo foi eurocêntrico. Os impérios coloniais europeus cobriam grande parte do planeta. O domínio britânico, por si só, exercia-se sobre 1 quarto da Humanidade. Mas as tutelas planetárias da Europa desapareceram. A própria Europa representava, no início do séc. XX, cerca de 25% da população mundial. Agora, a União Europeia (UE) apenas representa 7%. O nosso peso numérico torna-se menos relevante. O mundo já não é eurocêntrico. Antigamente o que se decidia na Europa vinculava a maior parte do planeta. Essa época acabou.

Olhemos as novas proporções. A China e a Índia possuem conjuntamente 5 vezes a população de toda a União Europeia. O Paquistão e o Bangladesh detêm mais cidadãos que a Zona Euro. A população da UE tende a decrescer mas entre 1950 e 2050, em apenas 1 século, a população da América do Norte terá crescido 2,5 vezes, a da Ásia 4 vezes, a da África 11 vezes.

Ocorre-nos pensar que o resto do mundo é pobre, atrasado. Essa foi a realidade do passado mas não será a deste século. Nas últimas décadas a maioria esmagadora dos países em desenvolvimento iniciou uma dinâmica de crescimento e, desde 2010, aquelas nações já controlam mais de metade da economia mundial.

Enquanto a Europa insiste em invocar a “crise global” para tentar explicar o seu próprio marasmo económico, confesso que não sei de qual “crise global” se está a falar. Porque a realidade que vejo no mundo é diferente. Enquanto a Zona Euro cresceu marginalmente 1,5% em 2015, os países em desenvolvimento e emergentes apresentaram um crescimento económico de 4%, os Estados Unidos ascenderam 2,5%, a Índia 7,3%. Esse valor foi de 6,6% na Ásia emergente e de 3,5% na África Subsaariana. Todos parecem preocupados com a desaceleração da economia chinesa mas em 2015 esta cresceu 6,9%, um valor gigantesco na nação que é já a maior economia do mundo em paridade de poder de compra (ppp) e a segunda em valor nominal. Desde o início da actual crise até recentemente (2009 a 2015 inclusive) o crescimento acumulado da economia da Zona Euro foi de cerca de 0%, o dos Estados Unidos foi de 11,1% e o da China atingiu uns impressionantes 75,8%. Vejo a China, a Índia e a maioria dos países noutras regiões do mundo em vibrante crescimento, apesar de desequilíbrios e problemas que todos têm e sempre terão. Não existe agora uma genuína crise global. A Zona Euro não é a locomotiva económica do mundo. Pelo contrário, é o principal peso que atrasa o crescimento global. Este quadro permite lentas soluções mas, para tal, não podemos persistir numa negação de realidades.

Numa economia transnacional interactiva as vantagens comparativas deslocam-se. A Europa perde competitividade em demasiados domínios. Uma crescente parte da criação de riqueza migra para outras regiões. Em poucos anos, nos países em desenvolvimento, onde praticamente todos eram pobres, cria-se uma gigantesca classe média. Esse será o grande novo motor da economia mundial das próximas décadas. Na Índia ou na China a nova classe média, apesar de ainda minoritária na população, excede já a população da Zona Euro. O número de chineses ligados à Internet é o dobro da população da Zona Euro. Empresas de países emergentes destronam sucessivamente muitas das marcas ocidentais tradicionalmente líderes em altas tecnologias.

A Europa do passado olhava sobranceiramente o mundo que, pobre, ansiava pelos seus investimentos. Em 2015 a China investiu na Europa 23 mil milhões de Dólares, quase 500 milhões por semana.

Muitos europeus supõem que o resto do mundo é um repositório de ignorância, mas novas dinâmicas atravessam o mundo. A OCDE publica o seu estudo PISA que compara aptidões dos jovens em muitas economias. No último estudo divulgado são asiáticas as 4 economias que lideram o ranking no conhecimento de ciências, enquanto o topo do ranking na leitura é tomado também por 4 economias asiáticas e também os 7 primeiros lugares no domínio da matemática são asiáticos.

Nos últimos séculos o centro de gravidade do poder mundial situou-se no Atlântico Norte. Agora desloca-se para o Pacifico, na convergência entre os Estados Unidos e a ascendente Ásia, onde a Europa será, metafórica e literalmente, descentrada.

A Europa parece não antever perspicazmente as complexas tendências das próximas décadas. As mudanças serão radicais. Parece urgente refrear dogmas e repensar, com real criatividade e visão estratégica. Em caso contrário, talvez este seja, ainda, o início dos grandes problemas da Europa.

Gestor

Sugerir correcção
Ler 2 comentários