Angola paga 115 milhões para acabar conflito de diamantes com Portugal

Valor a pagar à empresa estatal SPE está a ser reembolsado em prestações. Presidência da República ajudou a intermediar fim do conflito que se arrastava desde 2011.

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Acordo foi selado em Novembro e os pagamentos terminam em Outubro deste ano REUTERS/Stefan Wermuth

O diferendo entre Angola e a empresa estatal portuguesa SPE, sócios desavindos numa empresa de exploração de diamantes no nordeste angolano, teve um ponto final em Novembro, quando as partes envolvidas assinaram um acordo. Agora, sabe-se que o entendimento entre os dois países envolve o pagamento de 130 milhões de dólares (cerca de 115 milhões de euros ao câmbio actual) por parte de Angola à empresa onde o Estado português detém 81% do capital (via Parpública).

Este valor implica não só a retirada da SPE do mercado angolano, alienando os 49% que detinha na Sociedade Mineira do Lucapa (SML), onde tinha a empresa estatal angolana Endiama como parceira, bem como a entrega a Angola de todo o arquivo técnico e documental relacionado com as actividades de prospecção diamantífera realizadas neste país africano.

O material a disponibilizar às autoridades angolanas será relevante, já que a SPE estava presente na SML desde 1992 e é herdeira da Diamang (grupo de grande dimensão que explorou os diamantes na zona das Lundas antes da independência de Angola).

De acordo com o relatório e contas da SPE, aprovado em assembleia-geral a 31 de Março, a Endiama “obrigou-se a pagar à SPE a quantia global de 130 milhões de dólares” pela cedência da quota e dos créditos por suprimentos feitos pela empresa na SML, “bem como pela transmissão do acervo documental”.

O acordo, diz a empresa estatal, representa “o fim de um conflito entre as partes portuguesa e angolana”, que se agudizou, após desentendimentos sobre o projecto, em Outubro de 2011, quando Angola revogou a licença de exploração da SML, visando a SPE. Desde essa data, houve várias acções pela parte portuguesa, nomeadamente ao nível da justiça, mas também ao nível diplomático. E o relatório e contas revela que também o anterior Presidente da República, Cavaco Silva, desempenhou um importante papel de intermediário entre as partes desavindas. O conselho de administração, presidido por Hélder de Oliveira, deixa uma mensagem de “reconhecimento a todas as entidades colectivas e privadas que contribuíram decisivamente para que o acordo fosse alcançado, nomeadamente, a Presidência da República”. Pelo meio ficaram os custos com os processos de litigância que, entre assessoria jurídica e contencioso e notariado, somaram 1,7 milhões de euros nos anos de  2014 e 2015.

O pagamento pela retirada da SPE de Angola (e entrega do arquivo técnico) já está a ser feito, embora no relatório nada seja dito sobre o calendário dos pagamentos. Isto numa altura em que, devido à descida do preço do petróleo, Angola enfrenta uma crise financeira, com falta de liquidez e divisas (tendo pedido ajuda ao FMI este mês, pela segunda vez em sete anos). No relatório e contas refere-se apenas que já foi paga a primeira prestação, no valor de 9,4 milhões de euros. De acordo com informações recolhidas pelo PÚBLICO, o acordo prevê que haja um pagamento todos os meses, com final em Outubro, e o calendário tem vindo a ser cumprido.

Com a SML como único activo, a SPE tem sobrevivido nos últimos anos graças ao apoio da Parpública. Agora, as contas sofreram uma melhoria, já que o acordo com Angola fez reverter a imparidade registada em 2011 por força da revogação da licença mineira. Após muitos anos de prejuízos, a empresa conseguiu assim fechar as contas de 2015 com um lucro de 11,56 milhões de euros (que beneficiou ainda de um câmbio mais favorável). Este valor será usado para cobrir parcialmente os prejuízos acumulados, tendo a empresa um balanço ainda bastante debilitado (o capital próprio ainda é inferior a metade do capital social).

Ao todo, a empresa devia 23,3 milhões de euros no final do ano passado, dos quais 16,4 milhões dizem respeito a financiamentos da Parpública (equivalente a 70% do montante global). O restante está dividido por três bancos, a Caixa Geral de Depósitos (4,1 milhões), Novo Banco (2,3 milhões) e BPI (492 mil euros).

Nada no relatório e contas refere qual será o destino da SPE quando receber a última prestação dos pagamentos devidos por Angola, mas é provável que o Estado, quando tal acontecer, proceda à sua extinção. Da mesma forma, não há qualquer referência sobre se os accionistas privados poderão ou não vir a receber algum retorno pelas suas acções. Mas é provável que estes acabem por retirar algum dividendo do investimento feito no passado. Com Raquel Almeida Correia

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