Obama leva a batalha pelo comércio livre à Alemanha

Nenhum país europeu faz mais comércio com os Estados Unidos do que a Alemanha, mas também nenhum outro se opõe tanto ao controverso projecto TTIP. Para Obama, no que toca aos refugiados, Merkel "está no lado certo da História".

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Obama e Merkel no palácio Schloss Herrenhausen, onde estiveram reunidos. Wolfgang Rattay/Reuters

O pano de fundo para aquela que pode ser a última visita de Barack Obama à Alemanha como Presidente dos Estados Unidos evidenciou-se muito antes de a comitiva norte-americana aterrar este domingo em Hanôver. Antecipando que grande parte da visita do Presidente americano seria passada a convencer o público alemão — e Europeu, por arrasto — dos méritos do grande pacto transatlântico de livre comércio conhecido como TTIP, milhares de manifestantes tomaram as ruas de Hannover para repudiar o acordo.

A razão de o terem feito sábado está relacionada com uma outra grande temática da visita. Num país continental europeu próximo de palcos de atentados recentes e com um milhão de requerentes de asilo chegados no espaço de um ano, americanos e alemães tomaram todas as precauções de segurança. O sinal mais evidente disso vinha nos folhetos distribuídos pela polícia local aos residentes do bairro por onde Obama iria passar: “Mantenham-se longe das janelas e não acenem”, resumia o portal alemão em língua inglesa, TheLocal.

Em Hanôver, Obama insistiu no tom que usou ao longo da sua visita ao Reino Unido: os EUA querem uma União Europeia “forte, próspera e unida”, principalmente num momento de ressurgimento militar russo e maior assertividade chinesa. O Presidente norte-americano espera consegui-lo com o TTIP — Tratado Transatlântico de Comércio e Investimento —, mas para isso quer terminar as negociações com Bruxelas até ao fim do seu mandato e evitar que o seu sucessor tome um caminho diferente. Um desejo que partilha com a chanceler alemã.

“Angela e eu concordamos que os Estados Unidos e a UE devem continuar a avançar com as negociações do acordo comercial transatlântico”, afirmou Obama, numa conferência de imprensa conjunta com a líder alemã. “Não espero que sejamos capazes de ratificar um acordo até ao final do ano, mas espero que até lá consigamos concluir as negociações”, disse, antes de uma visita à feira industrial de Hannover, a maior do seu género no mundo. “Nesse momento as pessoas vão perceber por que será positivo para os dois países.”

A Alemanha é desde 2015 o maior parceiro comercial europeu dos Estados Unidos — ultrapassou a França — e, por isso, uma peça fundamental para mobilizar o pacto de comércio livre com Bruxelas. Mas os alemães são também os europeus mais cépticos em relação ao TTIP: um terço opõe-se ao acordo de liberalização do comércio transatlântico e 35 mil pessoas marcharam no sábado em Hannover para o demonstrar — os organizadores reclamam 90 mil manifestantes. “Sim, conseguimos travar o TTIP”, gritaram, apropriando-se do mote da primeira campanha presidencial de Obama.

O acordo é controverso. Os seus defensores argumentam que abater tarifas e regulações de mercado entre os dois lados do Atlântico vai acelerar o comércio ao ponto de se criar milhares de novos postos de trabalho e gerar mais de 80 mil milhões de euros anuais aos Estados Unidos e mais de 100 mil para a UE — é o exemplo mais evidente da ameaça comercial que Obama deixou no Reino Unido aos defensores do “Brexit”, quando disse que a prioridade dos EUA “é negociar com grandes blocos”.  

Mas os críticos dizem que o acordo vai mais além dos tratados tradicionais de livre-comércio, dá novos poderes a empresas sobre os Estados e ameaça interferir nos padrões europeus em matérias como o ambiente, saúde, protecção dos consumidores e de trabalhadores. Ao tratar dezenas de regulações como potenciais barreiras ao comércio, o TTIP pode contornar alguns dos critérios de controlo na Europa — tradicionalmente mais exigentes do que nos Estados Unidos. “TTIP, um cavalo de Tróia?”, perguntava-se em Hannover no sábado.  

Preocupação com a Síria

Angela Merkel falava pela primeira vez à imprensa depois de uma visita à Turquia, onde defendeu o acordo europeu de Março para a devolução de refugiados chegados à Grécia. A chanceler foi branda quanto a preocupações sobre a maneira como Ancara trata os requerentes de asilo e propôs até avançar com a criação de zonas seguras no lado sírio da fronteira. A sua proposta, porém, exigiria uma mudança radical na postura dos países ocidentais, que desde o início da guerra optaram por não enviar militares ou impor zonas de exclusão aérea.

Mas este domingo, depois de Obama demonstrar reservas “práticas” sobre o plano — reafirmou também à BBC, antes de partir do Reino Unido, que seria “um erro” que países ocidentais tentassem o derrube do regime de Assad —, Merkel disse não defender essa estratégia caso significasse enviar tropas para o terreno. Sobretudo num momento em que a cessação de hostilidade está próxima de ruir. “Estamos profundamente preocupados com o ressurgimento dos combates na Síria nos últimos dias”, afirmou Obama, pedindo, com Merkel, que prosseguissem as negociações de paz em Genebra — a oposição no exílio abandonou-as na semana passada e ameaça não voltar em breve.

Obama e Merkel vão fazer uma minicimeira informal com o Presidente francês e os primeiros-ministros do Reino Unido e Itália. Discutirão sobretudo segurança europeia, mas também a estratégia para a Síria e gestão de refugiados. Neste domingo, Obama reforçou elogios passados à decisão de Angela Merkel em acolher um milhão de refugiados no último ano. “Ela encarna os princípios que unem, em vez dos que dividem”, disse o Presidente americano. “Está no lado certo da História.”

 

 

 

 

 

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