Olha, quem se vai embora

1. Algures, entre 1971 e 1973, aos 15 anos de idade (por aí), entendi enviar uma carta ao director do então vespertino A Capital. Nela “denunciava” a proibição de jogar futebol no Liceu Nacional de Portimão ditada pelo receio (e também realidade) de se partirem alguns vidros à volta do espaço externo consignado às aulas de Educação Física, na altura leccionadas por um oficial também integrado na Legião Portuguesa. Numa das noites seguintes, a carta veio a ser publicada no jornal e gerou perturbação no Liceu. Um ofício do Ministério da Educação Nacional pedia explicações ao reitor. Este convocou-me para o seu gabinete e, sem olhar para mim, manejando uma daquelas “facas” de abrir correspondência, debitou perguntas atrás de perguntas. Quem o motivou? Os comunistas? Os de ideias subversivas? Actuou sozinho? Sinceramente nem sabia ao que ele se referia. Um processo disciplinar, que em questões ultrapassou o abecedário, veio a culminar num arquivamento. Gostava de o recuperar. Foi assim que comecei a “escrever para os jornais”. Desse tempo ficou muito do que foi o meu futuro em termos de liberdade de expressão.

2. Tendo nascido para o interesse das relações entre o Direito e o Desporto, mas também para a Justiça e a Política (especialmente a desportiva), no final dos anos 1980, vim a ocupar espaço, pontual ou assíduo, em diversos órgãos da imprensa escrita. Não pretendendo omitir ninguém nesse trajecto de 25 anos, estive presente nas páginas do PÚBLICO, Record, A Capital, Desporto Madeira, Primeiro de Janeiro, O Jogo, Expresso e A Bola. Paralelamente, principalmente a partir de 1996, nunca disse "não", após ler a lei e os regulamentos aplicáveis, a qualquer jornalista que solicitava a minha opinião, muitas vezes apenas para auxiliar o seu trabalho. No final desejava sempre ao jornalista "um bom trabalho". Em suma, exerci de forma bem alargada a minha liberdade de expressão e prestei serviços de informação jurídica. Esta foi a minha vida comunicacional durante 25 anos. Como não pretendo alcançar os 100 anos de idade, o registo andará sempre acima de um quarto da minha existência.

3. Na passada quarta-feira candidatei-me ao cargo de presidente do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, órgão que ganha no espaço federativo, em face do decréscimo de competências dos Conselhos de Justiça, uma particular relevância. Amigos e conhecidos endereçaram-me os habituais votos de sucesso na minha nova actividade.

4. Equivocaram-se, no entanto, não obstante a sua boa vontade. Não se trata de uma nova actividade. Trata-se, isso sim, de uma nova vida. De repente, aquele que exercia (ao limite) a sua liberdade de expressão – lamento não carregar no curriculum uma única condição de arguido sujeito a termo de identidade e residência , ficou mudo aos 58 anos. É verdade e não é fácil, como o leitor bem compreenderá.

5. Aos leitores deste jornal – e muitos comunicaram comigo pelo endereço electrónico, colocando questões e endereçando simpáticas palavras e encorajamentos – fica um enorme agradecimento.

6. Aos jornalistas do PÚBLICO, amigos e cúmplices ao longo de vários anos, domingo após domingo, um obrigado sem limites.

7. E permitam-me neste momento em que expresso uma sentida despedida, uma derradeira farpa (tem que ser agora).

Aos membros da Associação dos Amigos (?) do Meirim, políticos, governantes, ex-governantes, uma imensidão de “especialistas” em Direito Desportivo, expressões do poder desportivo e tantos outros, o que torna bem concorrido qualquer acto eleitoral para a associação, desejo uma real sensação de alívio, o início de um bem-estar que perdurará, tudo leva a crer, por quatro anos. Por outro lado, para todos eles, chegou o momento de “dizerem mal de mim”. Nunca o fizeram publicamente durante 25 anos. Podem agora fazê-lo, na certeza que que não poderei oferecer resposta.

8. Obrigado, caro leitor. O Meirim vai mudar da vida, mas o Meirim não vai mudar. josemeirim@gmail.com

Nota do editor: O PÚBLICO agradece a José Manuel Meirim o contributo que deu ao jornal e aos leitores no esclarecimento de vários temas relacionados com o direito do desporto ao longo dos anos em que colaborou com o jornal.

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