Prince: TMZ foi o primeiro a noticiar – outra vez. Mas alguma vez os media tradicionais confiarão nele?

O site de notícias sobre celebridades que avançou a morte de Prince – como já tinha avançado a de Michael Jackson – continua a não ser uma fonte idónea aos olhos dos outros órgãos de informação.

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Para surpresa de quase ninguém, o primeiro órgão de informação a avançar a chocante notícia da morte de Prince na quinta-feira foi o TMZ, o site de mexericos que já deu ao mundo várias cachas acerca da vida das celebridades.

Mas ainda que o TMZ tenha tido a história antes de quem quer que fosse, os outros meios de informação demoraram a reproduzi-la. Só depois de a [agência de informação norte-americana] Associated Press (AP) confirmar a morte do lendário músico, 17 minutos depois, é que órgãos de todo o mundo como o Washington Post, o New York Times, o Guardian e a BBC entraram na história, publicando alertas lacónicos que citavam o take redigido pela AP a partir de Chanhassen, no Minnesota.

O delay da reacção ilustra o paradoxo acerca do TMZ: embora tenha vindo a revelar-se bastante fiável em muitas histórias de grande impacto, os órgãos de informação tradicionais mostram-se relutantes em confiar na sua palavra. A notícia, com efeito, só se torna notícia a partir do momento em que outra fonte confirma o material do TMZ.

É verdade que o primeiro take da AP tinha uma vantagem decisiva em relação à notícia do TMZ: citava uma fonte, a relações públicas de Prince, Yvette Noel-Schure, que confirmava a morte do cantor. O “exclusivo” do TMZ referia “múltiplas fontes”, mas não nomeava nenhuma. Ora os órgãos de informação, e talvez também os leitores, reconhecem mais credibilidade à informação que é directamente atribuída a uma pessoa com nome.

As notícias do TMZ são geralmente tratadas com precaução apesar do seu historial positivo, diz Sharon Waxman, fundadora e editora principal do The Wrap, um site de notícias sobre a indústria do entretenimento. “Reproduzir ou não uma notícia com base em material do TMZ é definitivamente um debate recorrente na redacção”, admite, acrescentando que na sua opinião “o TMZ conquistou o direito a ser a única fonte citada em notícias de última hora”­.

O The Wrap, porém, também esperou pela informação da AP para publicar a notícia acerca da morte de Prince, uma decisão tomada pelos editores adjuntos de Waxman que estavam aos comandos da redacção naquela manhã de quinta-feira. Waxman, que foi repórter do Washington Post e do New York Times, diz-se confortável com esse atraso na publicação, ainda que tenha permitido à concorrência bater o seu site por alguns minutos. “O debate que tivemos acerca do TMZ levou-nos à conclusão de que eles estão certos 90% das vezes. Preferiríamos 99% ou mais, nos casos em que não é possível sermos nós a avançar a notícia.”

As dúvidas acerca do TMZ resultam principalmente da sua natureza tablóide e da sua prática assumida de pagar às fontes para obter informações – uma prática que rompe com a ética jornalística tradicional. Tal como a revista New Yorker documentou recentemente, o TMZ remunera em dinheiro vivo uma rede de informadores que inclui motoristas de limousines de famosos e funcionários de companhias aéreas, médicos-legistas e polícias. Este exército de informadores faz do site – e respectivo do programa de televisão – “uma agência de serviços secretos, além de um órgão de informação”, afirma a New Yorker.

Algumas das maiores cachas do TMZ – as imagens de câmaras de vigilância que mostravam a estrela do futebol americano Ray Rice a bater na sua noiva em 2014, os registos policiais da detenção de Mel Gibson por condução sob o efeito de álcool e das suas declarações anti-semitas, a morte de Michael Jackson em 2009 – vieram de fontes às quais o site pagou quantias de cinco dígitos para revelarem detalhes sensíveis e mesmo dados sob protecção legal. Em 2013, o TMZ noticiou que o proprietário da equipa [de basquetebol] Los Angeles Clippers, Donald Sterling, tinha feito comentários racistas num telefonema para a sua amante. (A tempestade que se seguiu levou a NBA a pressionar Sterling a vender a sua equipa.)

Apesar de tudo isto, Waxman permanece cautelosa: “Quando eles noticiam alguma coisa, faz-me pensar que provavelmente estão certos, mas que a informação pode ser prematura ou estar incompleta. Que talvez a pessoa tenha tido um ataque cardíaco mas não, não morreu. Que têm boa parte da história mas não toda a história.”

O TMZ raramente revela as suas fontes, pagas ou não, tornando mais opaca a veracidade daquilo que noticia. Isso não torna a informação incorrecta, mas torna-a de facto algo suspeita aos olhos dos jornalistas que questionam se é possível a um órgão de informação manter uma relação equilibrada com fontes remuneradas. Ao entrar numa relação de negócios com essas fontes, um órgão de informação – teme a classe – pode correr o risco de favorecer a informação que fornecem em detrimento da isenção que é devida às outras partes envolvidas na história.

Os responsáveis pelo TMZ não responderam aos nossos pedidos para que comentassem as questões deste artigo. Mas em ocasiões anteriores o fundador do site, o advogado e jornalista Harvey Levin, desvalorizou estas preocupações, afirmando que muitas publicações acerca de celebridades pagam para obter informações e que um vídeo ou uma gravação telefónica fornecidos por uma fonte remunerada não são menos fidedignos do que um registo passado por uma fonte que não foi paga.

Mas o TMZ nem sempre foi rigoroso. Em 2009, publicou uma fotografia que diziam ter sido tirada em meados da década de 1950, e que alegadamente mostrava [o futuro Presidente norte-americano] John F. Kennedy a divertir-se com quatro mulheres em topless a bordo de um iate. “Se esta imagem tivesse vindo à tona quando John F. Kennedy concorreu à presidência em 1960, poderia ter destruído a sua campanha, e mudado a História mundial”, dizia o site.

A história foi alvo de atenção generalizada – até que horas mais tarde o site de jornalismo de investigação Smoking Gun revelou que a foto tinha na verdade sido publicada pela revista Playboy em 1967 no âmbito de uma fotogaleria intitulada Playboy’s Charter Yacht Party: How to Have a Ball on the Briny with na Able-Bodied Complement of Ship’s Belles. O TMZ retirou a sua história.

“Creio que as pessoas não vêem o TMZ como um site de notícias totalmente idóneo”, considera Kim Masters, veterana jornalista de Hollywood e editora da Hollywood Reporter. “Há certamente a percepção de que pagam pelas suas histórias, e essa não é ainda uma prática aceite no jornalismo.”

Além de não identificar as suas fontes, o TMZ também não assina as suas histórias, o que dificulta a monitorização da fiabilidade e do currículo dos seus jornalistas, acrescenta Masters, que também já trabalhou para o Washington Post. “Além de Harvey Levin, não conheço uma única pessoa que trabalhe para o TMZ.”

Masters descreve muitas das histórias do site como “o mais baixo tipo de mexericos”: “Têm tido imenso sucesso indo atrás disso, mas a verdade é que [esse historial] não inspira ninguém a dizer: ‘Vamos lá pegar neste material’. No fundo, eles produzem muito lixo.”

Ou por outras palavras: se o TMZ está a noticiar, dê uma olhadela, mas proceda com cuidado.

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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