Fábrica Robinson: a história que Os Verdes vão recordar ao Presidente

Marcelo vai discutir com o PEV a necessidade de salvaguardar o património deixado por unidade corticeira que funcionou em Portalegre durante 160 anos.

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As chaminés estão hoje em risco de ruína, alerta o PEV DR

Em 1868 Júlio Dinis publica o romance Uma Família Inglesa, com uma narrativa que decorre na cidade do Porto, e que realça as virtudes da família e do trabalho, matizada na ligação entre indivíduos oriundos de diferentes meios sociais. Mais a sul, em Portalegre, uma família Robinson materializava uma experiência empresarial concreta, no sector da cortiça, que iria prevalecer durante 162 anos e que na sua origem teve, como preocupação maior, para além da produção, a valorização e o bem-estar dos operários e das suas famílias.

A similitude entre a ficção e a realidade nos dois exemplos apontados acompanha os contornos de um fenómeno descrito por António Ventura, professor catedrático da Faculdade de Letras de Lisboa, no ensaio Para a história da Fundação Robinson. O autor assinala que, no século XIX, "alguns britânicos se interessaram por um sector tradicional — o corticeiro — como sucedeu com George Robinson" em Portalegre.

Foi essa história que o Presidente da República, que esteve em Portalegre nesta quinta-feira, aceitou discutir, a pedido do Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV) na reunião que manterá na terça-feira com esta força política. O PEV tem defendido a preservação do património industrial da Robinson e entregaram um dossier sobre o assunto a Marcelo.

Trata-se de "uma história real que prevaleceu com um projecto notável", acrescenta Manuela Mendes que desempenhou funções de direcção e administração na Corticeira Robinson. Manuela Mendes contou ao PÚBLICO que entrou em 1990 para a fábrica Robinson, onde permaneceu até ao seu encerramento, em 2009. "Era uma empresa velhíssima", mas o prestígio da marca prevalecia "intocável" sobretudo nos mercado dos Estados Unidos da América e Japão, para onde eram exportados aglomerados e revestimentos de cortiça, "a referência maior da Robinson."

A indústria corticeira instalada em Portalegre desde 1837, por iniciativa de um grupo de ingleses que se dedicavam ao trabalho da cortiça em bruto, recebeu um impulso decisivo em 1847 com a chegada de Robinson.

George William Robinson nasceu em Wakefield, Inglaterra, em 1815. A sua família tinha interesses ligados à importação de cortiça que era transformada em fábricas britânicas. Para contactar directamente com os produtores desloca-se a Portugal por volta de 1840. Visitou Moita, Setúbal, Sintra, mas foi em Portalegre que o seu interesse se revelou.

"Chegou a Portalegre numa parelha de mulas", conta Manuela Mendes. E instala-se aqui, em definitivo, depois de adquirir uma pequena fábrica a Thomas Reynolds. Era o início de uma empresa que se converteria na maior unidade fabril da cidade. Não havia estradas para a cidade alentejana, uma lacuna que superou transportando de barco, entre Lisboa e Rossio ao Sul do Tejo, em Abrantes, e daqui para Portalegre em carros de bois, os equipamentos de grande envergadura para a reestruturação da fábrica.

Em 1857 nasce em Portalegre George Wheelhouse Robinson que viria a suceder ao pai na liderança da empresa e a marcar definitivamente a comunidade local. No início do século XX, a "Fábrica da Rolha" como então era conhecida, empregava mais de 2000 trabalhadores. É o próprio Wheelhouse (patrão) que cria o primeiro sindicato operário da história da actividade corticeira, mas também uma creche para os filhos dos operários e a cooperativa de abastecimento operária.

Entre 1910 e 1915 instala a primeira produção de aglomerados de cortiça para revestimento e deixa claro o seu pensamento como empresário: "Preciso da cooperação dos operários e confio em que não me faltará; bem como em que patrão e operários andarão sempre unidos, porque da sua união há-de nascer o bem de um e outros." Introduz alterações tecnológicas, incorporando na linha de produção uma máquina a vapor, um gerador eléctrico, novos métodos de corte e brocagem de rolhas e racionaliza os métodos de trabalho. "Robinson" passa a ser uma referência mundial em aglomerados e revestimentos.

António Martinó que em 2012 criou o blogue Largo dos Correios, com a secção A "minha" Fábrica da Rolha, reconheceu ao PÚBLICO que a empresa nunca mais se modernizou e que os sinais de envelhecimento, "nas máquinas, nos edifícios e na vontade dos homens", já eram patentes nos anos 70.

A ex-administradora Manuela Mendes, que viveu o problema, lamenta que a empresa não tenha sido incluída nas prioridades dos Governos dos anos 80 e 90 "como foram as multinacionais que se instalaram em Portalegre e que já desapareceram."

No Space Shuttle

A insolvência surge em 2009, lançando no desemprego 150 trabalhadores. Para trás ficaram mais de 160 anos da história corticeira que "interessa estudar e preservar do ponto de vista social e arqueológico-industrial", reclama Manuela Cunha, do PEV que realizou em Fevereiro, o primeiro debate público no interior das instalações da Fábrica Robinson, para reivindicar a salvaguarda do seu património. "Fizemos o debate no meio de um dilúvio de cascatas de água que caiam sobre as máquinas" prossegue Manuela Cunha, alertando para o risco de as duas chaminés da fábrica cairem.

"Se não se intervier, acontece uma catástrofe" adverte, defendendo a preservação patrimonial dos sete hectares das área ocupada pelas instalações da Robinson, onde chegaram a ser fabricados "componentes para os Space Shuttle revela.

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