Simplismo.

A nova identidade do Porto, que veio modernizar a imagem da cidade emulando tendências formais observáveis no design desde o início dos anos 2000, alerta para a necessidade de um maior e mais profundo debate sobre a importância de projectos que afectam e inundam a vida de cidadãos em cidades de todo o país

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Paulo Pimenta

Os designers gráficos são especialistas em estilo. Isto pode, ou não, ser um comentário superficial sobre uma profissão cujo ubíquo trabalho nos rodeia diariamente. Ser conhecedor da história de linguagens formais é um pré-requisito incontornável numa prática que deve ser sempre contextualizada. Por outras palavras, o resultado de uma investigação rigorosa. Mas, ser especialista em estilo também pode significar uma optimização de recursos. Esta é uma forma cordial de dizer que a grande maioria dos designers identifica e absorve modas visuais globais, desenvolvendo fórmulas que de forma indulgente replicam independentemente do contexto.

Generalismo.

Quando em 2014 o estúdio de design portuense White Studio apresentou a nova identidade da Câmara Municipal do Porto houve alguma discussão entre marketeers, bloggers e colunistas de jornais. Inquestionavelmente melhor do que a oca elipse verde que vinha substituir, esta identidade coloca vários problemas. Como é comum em Portugal, a discussão pública aconteceu apenas depois do trabalho estar concluído. Em projectos de design pagos com o erário público, é importante promover concursos públicos, bem assim como uma discussão e escrutínio por painéis independentes. Isto evitará que possa dizer-se que “o Porto é o Porto, ponto.”, fechando assim qualquer possível argumentação. Aprisionado por um caixilho rectangular, este ponto passa a fazer parte da palavra, vendendo simplismo como simplicidade. O nome da conta de Twitter da Câmara é agora “@portoponto”. Poderia ser Praga., Palma de Maiorca. ou Paraná. Por outras palavras, perde-se a especificidade da cidade em função de um devaneio formal.

O ponto passou a ter mais significado e relevância formal depois do boom do “.com” dos ano 90, assumindo universalmente um generalismo formal que pode ser observável em centenas de identidades visuais em todo o mundo. Alguns exemplos disto são a Absolut Vodka (“Absolut.”), a marca de roupa “Superdry.” ou talvez o exemplo do uso mais literal do ponto/ círculo com o jornal USA Today. A atitude redutora do ponto portuense transbordou igualmente para toda a decorativa iconografia que ocupa fachadas de edifícios e até carros da polícia, com arvorezinhas, coraçõezinhos e peixinhos. Poderiam ser arvorezinhas, coraçõezinhos e peixinhos genéricos de Palma de Maiorca. ou Paraná., mas são do Porto. A polícia—porque ninguém consegue escapar a um "rebranding" e decoração — é agora “políciaponto”. Esta identidade, que veio modernizar a imagem da cidade emulando tendências formais observáveis no design desde o início dos anos 2000, alerta para a necessidade de um maior e mais profundo debate sobre a importância de projectos que afectam e inundam a vida de cidadãos em cidades de todo o país.

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Fórmulas.

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Em 2004, o designer Rui Mendonça redesenhou a identidade da Universidade do Porto, que é ainda hoje utilizada, passando a ser representada visualmente como “U.Porto”. Sendo igualmente encaixilhada por um fino rectângulo, U.Porto surge com frequência pela cidade anunciando uma multiplicidade de eventos. Já em 2016, o Instituto Politécnico do Porto apresentou a sua nova identidade, também desenhada por Mendonça. Este replicou a fórmula, transformando o Instituto Politécnico do Porto em “P.Porto” (simplesmente “P.” na sua versão simplificada). Aproximando visualmente as duas instituições ao ponto de se conseguirem confundir, o estilismo é aqui utilizado em sacrifício da história ou especificidade da instituição. Assim, em vez de o design ser resultado de investigação, é aplicada uma receita visual que produz estandardização. O redutivismo pré-concebido é assim proposto como capacidade de síntese e representação de contemporaneidade.

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Mais recentemente, a ESAD Idea produziu a identidade visual da merecida homenagem ao falecido vereador da Cultura da Câmara Municipal do Porto, Paulo Cunha e Silva. Em cartazes tipográficos de fundo amarelo, laranja e roxo destaca-se um imponente "P.", numa referência ao primeiro nome do ex-vereador e à própria cidade, onde o "P" é construído com partes de letras distintas. Combinar tipos de letra para formar novas composições é recorrente na história do design gráfico, mas ganhou enorme popularidade a partir de 2008, quando o designer Peter Bil’ak desenhou o tipo de letra modular "History". Estes gestos visuais são obviamente simbólicos, mas numa altura em que o Porto está repleto de pês e pontos, este "P.", mais um, poderia também ser do Pedro ou do Patrício, tornando-se banal apesar de visualmente sedutor. Por outras palavras, o estilo, a forma e o impacto têm prioridade sobre a especificidade, isto é, por uma aproximação à verdadeira identidade do homenageado.

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Discussão.

O site Trend List arquiva uma variedade de tendências formais observáveis no design gráfico contemporâneo. Aqui é possível ordenar os trabalhos por fórmula gráfica ou artifício formal, país e estúdio. Uma rápida visita permite encontrar pontos comuns com muitos dos trabalhos que nos rodeiam todos os dias, e perceber como as redes sociais tais como Facebook, Twitter, Tumblr, Behance, Dribbble, entre outros, promovem uma uniformização do design: uma tirania do estilo fácil onde identidade é substituída por generalismo global. Os comunicados de imprensa, discursos de circunstância e os sempre badalados prémios de design não devem nem podem ser automaticamente barómetro de qualidade ou legitimação. A esmagadora maioria — problema endémico no design — premeia execução e virtuosismo formal praticamente desprovido de contexto, estudo crítico e histórico. Um júri de um concurso de design analisa imagens digitais ou impressas, eventualmente algum processo e a sua aplicação, não visita, estuda, nem tem conhecimento rigoroso sobre o contexto para o qual o que avalia foi projectado.

Estes exemplos servem para alertar para a importância do debate em projectos de enorme visibilidade pública. E, a necessidade de promover uma cultura de investigação e escrutínio, não de génio que apresenta (impõe) a sua obra-prima, caindo na sedutora armadilha da moda estilística em sacrifício de dimensões que têm que ser trabalhadas de uma forma crítica: contexto e história. A repetição é a forma mais fácil e previsível de procurar alcançar coerência e identidade. Aplicar fórmulas visuais pré-concebidas e apresentá-las como novidade ou originais é no mínimo desapropriado e insuficiente. É tempo de exigir mais.

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