Carlos Costa cada vez mais empurrado para a saída

Costa não quis dar o empurrão final ao governador e pôs as fichas na comissão do Banif. Consenso vai da esquerda ao CDS. Só o PSD está a ficar de fora. BdP diz que não podia informar Governo.

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ENRIC VIVES RUBIO

O Governo mostrou ontem que o ataque ao governador do Banco de Portugal (BdP) se faz a duas frentes: através do próprio Executivo, com António Costa a proteger-se, e na comissão de inquérito ao Banif. Mas é também em duas áreas: a política, onde há um consenso que engloba PS, PCP, BE e até o CDS; e a legal. Para que o objectivo final de destituição do Governador se cumpra, é preciso que o Governo tenha segurança jurídica do que pode ser considerado “falha grave” do governador. Enquanto isso não acontece, Costa resguarda-se e deixa o cerco ao supervisor para outros membros do Executivo, sobretudo das Finanças, e para a comissão de inquérito.

Nos últimos meses, várias têm sido as críticas de membros do Governo à actuação do Governador e algumas vezes expresso o desejo que ele abandone o cargo. Agora é certo que há a vontade que a comissão de inquérito ao Banif contribua para esse objectivo. Ou seja, que um relatório aprovado dê ao Executivo a segurança legal para alegar falhas graves no relacionamento entre instituições. Avançar com um processo de destituição do governador é possível, mas não é fácil: o executivo teria de passar por uma discussão legal difícil de vencer, um possível conflito aberto com o Banco Central Europeu (BCE) e um agravamento do risco para a frágil imagem do país nos mercados financeiros.

Nos estatutos do BdP, aquilo que está estabelecido é que os membros do conselho de administração “são inamovíveis”. Ainda assim, salvaguarda-se que estes podem “ser exonerados" caso se verifique que deixem "de preencher os requisitos necessários" ou se tiverem "cometido falta grave”.

É neste conceito que reside o maior obstáculo em que a parte legal pode complicar a política. “Não está explícito o que pode ser considerado uma falha grave”, diz ao PÚBLICO um deputado da comissão de inquérito. Nem tão pouco quem o pode avaliar. Esse é o travão para a linguagem de Costa na rua: critica, mas não ultrapassa a linha que levaria a uma ruptura sem volta atrás.

É aqui que entra a comissão de inquérito ao Banif. É preciso um consenso para aprovar um documento que ateste com selo de órgão de soberania que para uma instituição portuguesa houve essa “falta grave”. Não seria uma certeza de vitória, mas seria um trunfo e Costa só quer abrir a batalha final com factos apurados e com um documento na mão. E para isso é preciso um acordo entre os deputados - já houve um nos pedidos de audição do governador, do ministro das Finanças, Mário Centeno (a 19), e do vice-presidente do BCE, Vítor Constâncio (27).

Nesta jogada está a entrar o CDS que tem atirado a Carlos Costa. Ao PÚBLICO, fonte centrista diz que “se os factos mostrarem que há responsabilização do governador, pode haver um consenso alargado”. Contudo, diz a mesma fonte que “as lutas partidárias entre PS e PSD podem dificultar” esse acordo. Tudo porque os socialistas não desistem do foco de culpar o anterior Governo e isso pode ser um entrave. Na prática, acusar o governador poderia ser o “denominador comum”, uma vez que na direita há quem defenda que pode vir a apurar-se a responsabilização do Banco de Portugal “em relação aos dois governos”.

A esperança está na comissão de inquérito

António Costa mediu as palavras que disse no debate quinzenal, mas acabou por empurrar para a comissão o ónus final de uma decisão. O primeiro-ministro assumiu que não tinha sido informado no caso da decisão do BdP na passagem dos obrigacionistas seniores para o banco mau (ver ao lado), mas não mencionou a omissão de informação no caso Banif - assumida pelo secretário de Estado das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, em declarações ao PÚBLICO. As declarações do governante, a acusar Carlos Costa de uma “falha de informação grave” por não ter informado o Governo que tinha defendido que o BCE limitasse o acesso do Banif à liquidez do euro-sistema, foram palavras a que Costa não quis dar gás, protegendo-se.

Foi isso que fez ontem durante o debate quinzenal. Catarina Martins desafiou-o: “Até quando é que a falha grave serve para substituirmos o governador do Banco de Portugal?”. Costa mostrou ter um desejo num deadline para que a situação se resolva: o fim da comissão de inquérito. Apesar da postura mais institucional desta vez, não evitou dizer que o respeito pelas instituições não evita que “se tirem as conclusões que devam ser retiradas sobre essa matéria”. Mais tarde desfez as dúvidas. Repetiu a cartilha formal dizendo que o governador tem um mandato e que se devem respeitar as instituições, mas também salientou que o bom relacionamento entre instituições deve imperar e que além do trabalho da comissão de inquérito, esta não pode chegar a conclusões brancas: "A culpa não pode morrer solteira no caso Banif", disse.

Banco de portugal defende-se

Em resposta à acusação de Mourinho Félix ao PÚBLICO, o BdP emitiu ontem à tarde um comunicado escudando-se na sua independência e dever de sigilo. "Os membros do Conselho do BCE não podem, por imposição das normas do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do seu Código de Conduta, divulgar ou discutir previamente com as autoridades nacionais as questões a decidir pelo Conselho", começa por defender a instituição.

"A divulgação dos elementos preparatórios das reuniões abriria, por definição, o caminho a eventuais pressões externas e criaria um risco manifesto para o processo decisório do Conselho e para a independência dos seus membros. Ao mesmo tempo, criaria um risco de divulgação de informação para o mercado, dada a sensibilidade das decisões tomadas pelo BCE na esfera da política monetária", refere o comunicado. Ou seja, a "independência" do BdP exige que não partilhe informação com os órgãos do Estado, até porque isso cria um "risco manifesto" de fugas de informação. com Paulo Pena, Maria Lopes e Sérgio Aníbal

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