Papa leva 12 refugiados sírios de Lesbos com ele para o Vaticano

No campo de Moria, na ilha grega de Lesbos, o Papa Francisco quis dizer aos refugiados que não estão sozinhos. "Vim aqui para estar convosco e ouvir as vossas histórias, para exigir ao mundo que preste atenção a esta grave crise humanitária e implorar que seja resolvida", explicou.

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As famílias sírias que foram levadas com o Papa para o Vaticano ALBERTO PIZZOLI/AFP
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O Papa com o patriarca Bartomoleu, à chegada a Lesbos ARIS MESSINIS/AFP
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Centenas de refugiados esperavam o Papa Francisco AFP FILIPPO MONTEFORTE
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Alexis Tsipras na recepção ao Papa Francisco, em Lesbos REUTERS/Alkis Konstantinidis
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O Papa Francisco levou 12 refugiados que estavam na ilha de Lesbos para o Vaticano no avião de regresso a Itália, seis dos quais menores. São três famílias muçulmanas que estavam no campo de refugiados aberto de Kara Tepe, escolhidas à sorte. Uma delas é da região de Damasco, e outra de Deir Ezzor, de territórios que foram ocupados pela organização terrorista Estado Islâmico, anunciou o Vaticano.

"O Papa quis ter um gesto de boas-vindas para com os refugiados, levando no avião para Roma três famílias da Síria", diz uma declaração oficial do Vaticano. Estas famílias chegaram às ilhas gregas desde a entrada em vigor, a 20 de Março, de um acordo entre a União Europeia e a Turquia para estancar o fluxo de migrantes do Médio Oriente e da Ásia rumo à Europa, e que agora estavam bloqueados. Ou pedem asilo na sobrelotada Grécia, ou as portas do resto dos países europeus ficaram fechadas para eles.

"O Vaticano assume responsabilidade por levar e manter estas três famílias. A hospitalidade inicial será assegurada pela Comunidade de Sant'Egídio", diz o comunicado do Vaticano.

Esta será uma demonstração de que o líder da Igreja Católica não concorda com a actuação da União Europeia relativamente aos refugiados - embora o Papa diga nem conhecer o acordo da UE com a Turquia. "Não faço especulações políticas, esse acordo não o conheço", afirmou aos jornalistas, já no avião de regresso a Roma, relata a AFP.

Pôs antes o acento tónico na integração. "Construir muros não é uma solução. É preciso construir pontes, mas fazê-lo de forma inteligente, com diálogo, com trabalho." Mas diz entender "os medos" relacionados com a imigração. "Compreendo os povos que têm um certo receio. Devemos ter uma grande responsabilidade no acolhimento", frisou. 

"Somos todos migrantes"

Na visita, esta manhã, a Moria, um hotspot criado por indicação da União Europeia para que ali fossem registados todos os que chegam à ilha grega de Lesbos, o Papa deixou palavras de esperança: "Meus queridos amigos, quero dizer-vos que não estão sozinhos.” O que era um centro de registo transformou, desde Março, num campo de detenção, onde ficam os refugiados antes de serem deportados de volta para a Turquia - ou onde alguns aguardam resposta ao pedido de asilo na UE.

"Somos todos migrantes", afirmou o Papa, apelando a "uma resposta digna" do mundo à crise dos refugiados que disparou em 2015, no caso da Europa muito por causa da guerra na Síria e da falta de uma solução pacífica para o conflito que dura desde 2011.

Mas num discurso à população, frisou o que pode ser considerado uma crítica: “É preciso nunca esquecer que os migrantes, antes de serem números, são pessoas, rostos, nomes, histórias”. A legalidade do acordo assinado pela UE e pela Turquia é ainda considerada duvidosa pelas organizações humanitárias e até mesmo pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

Em Moria, o Papa Francisco cumprimentou centenas de refugiados que o esperavam, sempre acompanhado por Bartolomeu I, patriarca de Constantinopla e líder espiritual das igrejas ortodoxas, e por Jerónimo II, que preside à Igreja de Atenas e de toda a Grécia. Numa tenda, muitos outros refugiados esperavam sentados pelo chefe da Igreja Católica, incluindo dezenas de crianças.

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Um desenho feito por um menino afegão em Lesbos FILIPPO MONTEFORTE/AFP

Um desenho para Francisco

Um menino afegão foi o primeiro a querer oferecer um desenho que tinha feito. Nele podia ver-se um pequeno barco com a bandeira do Afeganistão. "Quero guardá-lo", disse o Papa aos assessores. "Que não se perca, é para a minha secretária. Isto é um símbolo".

"Síria". "Afeganistão". "Irão". Todos querem dizer ao Papa Francisco de onde vieram, ainda que não saibam qual será o seu destino. Por enquanto estão retidos em Moria. "Vim aqui simplesmente para estar convosco e ouvir as vossas histórias, para exigir ao mundo que preste atenção a esta grave crise humanitária e implorar que seja resolvida", afirmou o líder da Igreja Católica. “Infelizmente, alguns – entre os quais, muitas crianças – nem sequer chegaram cá. Perderam a vida no mar, vítimas de viagens desumanas e da violência dos seus carrascos”, lamentou, no porto de Mitilene.

Momentos antes, o patriarca de Constantinopla afirmava também a necessidade de estarem próximos daqueles que ali se encontram: "Viemos aqui olhar nos vossos olhos, ouvir as vossas vozes, pegar nas vossas mãos". E acrescentou: "O Mundo vai ser julgado pela maneira como vos tratou e todos seremos responsabilizados pelos conflitos nos vossos países origem".

À chegada a Lesbos, o Papa Francisco foi recebido no aeroporto de Mitiliene, a principal cidade de Lesbos, pelo primeiro-ministro grego Alexis Tsipras e pelos líderes religiosos ortodoxos. O Papa aterrou por volta das 10h locais (8h00 em Portugal continental), para uma visita que já tinha defendido ser “estritamente humanitária e ecuménica, não política”, e em “solidariedade” com os refugiados e com a população grega.

“É uma viagem um pouco diferente das outras. Uma viagem marcada pela tristeza (…)", disse o chefe da Igreja Católica aos jornalistas, durante a viagem de avião que o levou até à Grécia. "Vamos encontrar a pior catástrofe humanitária depois da II Guerra Mundial. Vamos ver tanta gente que sofre, que foge e que não sabe para onde ir. E vamos também a um cemitério, o mar. Tanta gente que nunca chegou”. 

Numa visita que está prevista durar cinco horas, o Papa visita o centro de detenção de Moria, que, com a entrada em vigor do acordo com a Turquia se transformou num centro de detenção – onde vivem actualmente quase 3000 pessoas: as 2300 vagas iniciais foram já ultrapassadas. Agora, entre os contentores montados pelo ACNUR, multiplicam-se as tendas de campismo.

Dentro da vedação, os três líderes religiosos vão reunir-se com 150 menores, muitos deles totalmente por sua conta, sem a companhia de um adulto, antes de um encontro com outros 250 migrantes de “diferentes condições” que Francisco, Bartolomeu e Jerónimo querem cumprimentar um a um. Almoçam depois com oito refugiados, num contentor igual aos que servem de dormitório, terminando a visita no porto de Mitilene, para um encontro com a população e uma oração ecuménica pelos que morreram no mar. Será ainda assinada uma declaração conjunta, com um apelo aos líderes internacionais.

Para a população da ilha grega de Lesbos, que foi já indicada para o Prémio Nobel da Paz pelo seu envolvimento na gestão dessa crise, a visita do Papa Francisco é um reconhecimento histórico, independentemente de grande parte dos gregos serem ortodoxos.

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