PubhD: vamos ao bar ouvir os doutorandos falar de ciência?

É uma plateia de bebida na mão, mas não menos exigente do que a do meio académico. Comunicar ciência é uma outra ciência — e envolver a sociedade é fulcral. Evento onde doutorandos explicam a sua investigação num bar chegou a Lisboa há meio ano e está agora em Braga e Guimarães

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Quando os alunos de Alexandra Nobre “desbobinam” matéria sem preocupação de a perceber ou complicam a mensagem, ela costuma pedir-lhes em tom de brincadeira: “Digam-me isso em linguagem ‘patati-patatá’.” É uma forma de lhes mostrar como coisas complexas podem sempre ser ditas de forma simples. E quem não conseguir fazê-lo, acredita, não estará no melhor caminho: “Einstein dizia: ‘Se não souberes explicar de forma simples é porque não entendeste suficientemente bem.’” Foi com esta atenção à comunicação como pano de fundo que a docente da Universidade do Minho se entusiasmou com o PubhD, um evento nascido em Nottingham, no Reino Unido, em 2014, e trazido para Lisboa em Outubro passado por Sérgio Pereira, um programador web rendido à comunicação de ciência. No início deste ano, o PubhD chegou a Guimarães e a Braga pelas mãos da bióloga Alexandra Nobre e do serviço de divulgação científica Science Through Our Lives (STOL).

A desconstrução da palavra PubhD — da junção de pub e PhD, a abreviatura para doutoramento em inglês — é caminho feito para compreender o conceito. Este evento de comunicação de ciência junta três investigadores, de diferentes áreas, uma vez por mês. E, entre cervejas e aperitivos, convida-os a explicarem o doutoramento deles a uma audiência não especializada, recorrendo apenas a três marcadores, um quadro branco e, opcionalmente, objectos que ilustrem o trabalho. São dez minutos de apresentação e 20 de microfone aberto a perguntas.

“É um ambiente muito diferente do meio académico e um desafio para os investigadores, que devem procurar uma forma mais ‘light’ de comunicar o trabalho deles e têm uma oportunidade de provar à sociedade a importância do que fazem ”, disse ao P3 Sérgio Pereira, o organizador do evento em Lisboa, onde esta quarta-feira, às 19h30, acontece a sétima edição, com as presenças dos investigadores Ana Águas (engenheira florestal no Instituto Superior de Agronomia de Lisboa), Carlos Serra (engenheiro civil na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa) e Mário Barros (designer na Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa).

Nottingham, final de 2014. Sérgio Pereira estava na cidade britânica no âmbito do seu mestrado em comunicação de ciência quando ouviu falar da ideia de dois jovens informáticos. Eles pensaram: será que os estudantes viriam apresentar ciência a um bar se lhes pagássemos uma cerveja? O evento aconteceu, Sérgio Pereira viu e quis replicá-lo em Lisboa. Pensou em fazê-lo em tascas, adaptando à portugalidade, mas acabou por assentar no Bibo Bar, no Bairro Alto.

Formado em design de comunicação, Sérgio Pereira trabalhou durante nove anos nessa área. Mas as revistas científicas foram sempre presença lá em casa. E quando ouviu falar de um mestrado em comunicação de ciência na Universidade Nova de Lisboa não hesitou. Na mesma altura em que inaugurou o PubhD na capital assumiu a pasta da comunicação do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, no pólo de Lisboa. Aquilo que ele faz, acredita, todos os cientistas deviam tentar fazer: aproximar a ciência da sociedade.

Daniel Martins não podia estar mais de acordo. O médico, doutorando no Instituto de Medicina Molecular, foi em 2014 finalista em Portugal do popular concurso internacional de comunicação científica, Famelab, e aventurou-se agora no PubhD. No Bairro Alto, falou sobre oxitocina, a hormona rainha do doutoramento ao qual se dedica nos últimos nove meses. O que Daniel Martins procura é compreender qual a influência dessa hormona nos mecanismos de sociabilização do cérebro humano e em doenças mentais como a esquizofrenia. De que forma a oxitocina altera a nossa capacidade de confiar, criar empatia ou ser generoso? E até que ponto pode esta hormona melhorar os processos de sociabilização de pacientes com doenças mentais?

A plateia gostou. Em vez de sair do bar às 21h00, Daniel ficou até às 23h30. “Ver o brilho no olhar das pessoas e sentir reconhecimento pelo nosso trabalho é muito gratificante”, diz. Com testes feitos numa máquina de ressonância magnética, o investigador tem observado a acção da hormona, administrada em "spray", no cérebro humano, ao confrontar os voluntários com diversos dilemas. O que faria se lhe oferecessem 100 euros e lhe dessem a possibilidade de os partilhar ou não? Pessoas com elevados níveis de oxitocina tendem a dividir quantias mais avultadas com estranhos, verificou Daniel Martins. Por outras palavras: quanto mais oxitocina tiver, mais generosa se torna uma pessoa. Ou mais confiante no outro. Pelo contrário, uma pessoa com défice de oxitocina torna-se mais inibida.

Combater o preconceito

A relação de Alexandra Nobre com comunicação de ciência nem sempre foi bem vista pelos seus pares. Lembra-se perfeitamente de estar a preparar um projecto de educação alimentar para crianças e jovens e ouvir colegas dizerem-lhe: “Lá vais tu passear.” Alexandra levava uma lancheira com vários alimentos e desafiava os mais pequenos a fazerem a sua sandes em cima de uma balança onde os alimentos eram transformados em calorias. Depois, explicava-lhes o conceito de caloria em corridas no campo de futebol. “Tu só tens de dar uma volta ao campo porque comeste isto, mas tu tens de correr até ao fim do dia para compensar a manteiga de amendoim e a marmelada que puseste no pão”, disse a um dos miúdos. E ele certamente percebeu a mensagem.

Há quatro anos, a bióloga decidiu avançar para a criação do serviço de comunicação e divulgação de ciência transdisciplinar STOL. E, em Janeiro, com uma equipa de mais quatro apaixonados pela informação de ciência, importaram o PubhD de Lisboa para o Minho, depois de Daniel Ribeiro se ter cruzado com a iniciativa na capital. Entre Guimarães (Convívio Bar Associativo) e Braga (Sé La Vie), um mês numa cidade e o outro noutra, o grupo tem visto os bares encherem. “Temos muitas inscrições e até já criámos uma mascote, o GeniUM, nosso acompanhante permanente”, graceja Alexandra Nobre.

Tal como o evento em Lisboa, o PubhD UMinho junta três investigadores de diferentes áreas por sessão — e, pormenor diferente, no final faz duas perguntas ao público e votações com feijões. Querem saber o que a plateia aprendeu de novo e qual o tema mais interessante da noite. E com apenas três sessões concluídas, já é possível tirar algumas conclusões. “Há áreas mais herméticas e difíceis de transmitir, mas percebemos que a forma como se comunica, independentemente do tema, é essencial.”

Em Lisboa, Sérgio Pereira tem uma percepção semelhante. “Não tem tanto a ver com áreas. Há pelo menos uma pessoa no mundo interessada naquele tema, o próprio investigador, por isso sabendo vendê-lo pode sempre funcionar”, analisa. No fim das sessões, o especialista em comunicação de ciência tenta “dar dicas” a quem por lá passa. “Já percebi, por exemplo, que os dez minutos devem servir mais para levantar questões do que para dar respostas. É importante lançar perguntas e deixar o debate em aberto.”

O exercício de participar num evento destes, considera Sérgio Pereira, pode ser um “excelente treino” para os estudantes de doutoramento. “Nalgum momento terão de defender a tese e participar em conferências. O PubhD pode minimizar o 'stress' associado a essas intervenções.” O Bibo Bar tem reunido umas trinta pessoas por sessão — e, para Sérgio, isso pode ser um sinal de um tempo novo: “Estas gerações estão mais abertas à comunicação de ciência.” Alexandra Nobre ainda nota “resistência” dos seus pares a uma área que, em Portugal, se começou a fazer notar apenas no início deste século, mas não tem dúvida da existência de uma “mudança em construção”. A chegada do PubhD ao Minho é já um sinal disso — e Sérgio Pereira anseia agora replicações do interesse pela iniciativa noutras cidades. Vamos ao bar ouvir falar de ciência? Sim, claro.

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