Está mais perto o dia em que os animais deixarão de ser objectos

Ministra da Justiça considera prioritária a mudança do estatuto jurídico dos animais e PAN está confiante num consenso no hemiciclo. Mas a criminalização dos maus-tratos e abandono, revela a GNR, trouxe também novas formas de violência

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ThePixelman/ Pixabay

O PAN – Partido Pessoas, Animais, Natureza vai apresentar no Parlamento uma proposta destinada a alterar o estatuto jurídico dos animais, de forma a que a lei os deixe de encarar como coisas e passe a conferir-lhes uma nova categoria intermédia entre os objectos e as pessoas.

A necessidade de alterar o Código Civil nesta matéria foi reconhecida esta terça-feira pela ministra da Justiça, Francisca van Dunem, numa conferência promovida pelo PAN na Assembleia da República. Admitindo que a lei que criminaliza os maus tratos, com escasso ano e meio de vigência, também precisa de ser aperfeiçoada, a governante defendeu que se deixe amadurecer a sua aplicação antes de levar a cabo quaisquer alterações. Posição diferente tem a ministra sobre a mudança do estatuto jurídico dos animais, que entende que pode avançar já, assim o entenda o Parlamento.

Essa é também a esperança do deputado do PAN, André Silva, que depois de ter falado com os diferentes grupos parlamentares entende existir consenso suficiente para fazer aprovar uma alteração legal que, mais do que consequências práticas, diz ter um valor proclamatório. Afinal, observa, não é possível maltratar uma coisa.

Além de querer sanar a lei dos maus tratos das suas numerosas incongruências, André Silva vai apresentar uma terceira proposta na Assembleia da República destinada a permitir a entrada de animais de companhia em estabelecimentos comerciais. No que diz respeito ao estatuto jurídico dos animais, foram os próprios socialistas a propor, na anterior legislatura, a sua alteração — o que voltarão a fazer na actual legislatura, quando o assunto for agendado, explicou ao PÚBLICO o deputado do PS Pedro Delgado Alves, adiantando que isso deverá suceder até ao Verão. Por outro lado, o grupo parlamentar do PS reconhece falhas na lei que criminaliza os maus tratos, fruto de um acordo com a anterior maioria PSD/CDS que implicou cedências de ambas as partes. “Estamos disponíveis para melhorar o texto da lei”, refere o mesmo deputado.

As fragilidades da lei

Para o PAN, em causa está, por exemplo, a punição prevista para quem matar um animal de companhia, que só sucede, segundo a letra da lei, se lhe essa pessoa causar previamente sofrimento ao bicho. E o que fazer quando o dono resolve envenená-lo? Como provar que foi mesmo ele, e não um vizinho mal intencionado, o autor do crime? As mortes praticadas “de forma mais insidiosa”, por vezes para contornar a criminalização dos maus tratos, exigem técnicas de investigação que nem sempre são baratas, assinalou outro orador da conferência, o major Ricardo Alves, da GNR. Uma análise toxicológica para determinar se houve envenamento pode custar cem euros. Não é incomum os donos dos animais recorrerem a fertilizantes que usam nos seus terrrenos para se verem livres deles, assinalou.

O destino dos animais retirados aos donos por maus tratos constitui outro problema. Têm de ser entregues a centros de recolha. Mas que condições têm estes centros? Uma dirigente da associação de defesa dos animais Midas, Lígia Andrade, explicou na conferência desta terça-feira como o resgate de uma centena de animais de um abrigo ilegal sem condições de higiene ou salubridade na zona de Matosinhos, no final do ano passado, descambou na sua colocação num canil “que não tinha capacidade para acolher mais de 50”, enquanto o Ministério Público não decidia o seu destino.

A mesma responsável também relatou o caso de um gato com problemas de insuficiência renal que ficou oito meses num canil, à espera de uma decisão de um tribunal, em vez de ser dado para adopção. “Felizmente sobreviveu”, observou Lígia Andrade. 

Outra insuficiência apontada à lei que criminaliza os maus tratos, quer por activistas quer por juristas que estudaram o assunto, relaciona-se com o facto de ela se restringir aos bichos considerados de companhia — deixando assim de fora um enorme universo de animais, dos que actuam nos circos até aos animais de trabalho ou de caça. André Silva explica que isso faz com que dois cães da mesma ninhada possam ter graus de protecção legal diferentes, se um for usado na caça e outro mantido como animal de companhia. 

A proposta de permissão de entrada de animais em estabelecimentos comerciais é aplaudida pelo bastonário dos veterinários, Jorge Cid, no entender de quem essa possibilidade deve ser alargada aos transportes públicos. E não deverá enfrentar objecções do PS, pelo que diz Pedro Delgado Alves: “Em teoria nada temos a opôr”. 

Outras formas de violência

Mas nem tudo são boas notícias. Desde que a lei de criminalização dos maus-tratos e abandono a animais entrou em vigor, a repartição da natureza e ambiente do Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente da Guarda Nacional Republicana (SEPNA) tem identificado “formas mais insidiosas” de os detentores de animais os matarem. Há pessoas a utilizar produtos de tóxicos” e “de livre acesso”, como fertilizantes, “de forma a que tenham menos pena do resultado praticado”, denunciou Ricardo Alves, do SEPNA.

“Sempre que há criminalização, há sempre um aperfeiçoamento das práticas”, lamenta. A sensação de “impunidade”, explica este agente da GNR, continua a existir. Ainda assim, têm conseguido algumas vitórias. “O nosso trabalho de investigação (...) muitas vezes consegue identificar uma correlação e nexo de causalidade entre efeito e a prática da utilização do tóxico”. Assim, as autoridades conseguem “muitas vezes provar quem é de facto o suspeito desse mesmo crime”.

Em 2015, o SEPNA registou 3816 denúncias e foram registados 655 crimes: 460 de maus tratos e 195 de abandono de animais. Destes 655 crimes, foram identificados suspeitos de 381. Os primeiros dados apontam que os homens praticam mais os maus-tratos e que o abandono tanto é concretizado por homens como por mulheres.

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