Morreu Francisco Nicholson, revolucionário da revista, homem da televisão

Actor, dramaturgo e argumentista, figura de destaque da revista à portuguesa e da ficção televisiva nacional, tinha 77 anos e não sobreviveu a complicações decorrentes de transplante hepático.

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Francisco Nicholson em 2002 Miguel Madeira/Arquivo

O actor, dramaturgo e argumentista Francisco Nicholson morreu nesta terça-feira, aos 77 anos, no Hospital Curry Cabral, disse à agência Lusa fonte da Casa do Artista, na sequência de complicações decorrentes de um transplante hepático que efectuara em 2011. Foi um dos nomes de destaque de um período áureo da revista à portuguesa, quer como como autor, quer como actor, no período pós-25 de Abril de 1974, quando o seu percurso no meio já contava uma década, e mostrar-se-ia também determinante na ficção televisiva nacional – quase duas décadas depois da primeira aparição no pequeno ecrã escreveu o argumento de Vila Faia, a primeira telenovela portuguesa, estreada em 1982. 

Desde muito cedo ligado às artes de palco e à representação, Francisco Nicholson, nascido em Lisboa a 26 de Junho de 1938, começou a fazer teatro aos 14 anos, no antigo Liceu Camões, sob direcção do encenador e poeta António Manuel Couto Viana, a convite do qual veio a pertencer ao Grupo da Mocidade, que integrou com, entre outros, Rui Mendes, Morais e Castro, Catarina Avelar e Mário Pereira. Na sua ascendência conjugavam-se as origens nobres e o interesse pelas artes. Ainda assim, a família tentou inicialmente contrariar aquela que Nicholson sentiu como sua vocação. Com a maioridade, chegaria a assumpção plena da sua vontade.

Cumpriu formação em Paris, onde estudou na Academia Charles Dullin, e, enquanto integrante da Companhia Nacional de Teatro e do Teatro Estúdio de Lisboa, representou peças de nomes imprescindíveis da dramaturgia universal, como Strindberg , Bernard Shaw ou Appolinaire. O seu caminho no panorama artístico português seria construído no coração da cultura popular. Multifacetado, foi homem de palco e argumentista de revista, criador, actor e autor televisivo, mas também deixou a sua marca na música foi co-autor de Oração, a canção com que António Calvário venceu o primeiro Festival da Canção, em 1964.

O escritor e jornalista Mário Zambujal lamentou a morte de um amigo que "era uma pessoa rara, de uma grande educação, de um talento enorme, com muito sentido de humor e muita graça". Em declarações à Lusa, falou de alguém "fascinante", sempre "muito respeitado" por aqueles com quem trabalhou. E foram muitos: Eugénio Salvador, Ivone Silva, Raul Solnado, Manuela Maria, Ary dos Santos, Henrique Santana, Camilo de Oliveira, entre muitos outros, incluindo aqueles que ajudou a lançar no Teatro Adoque, cooperativa teatral que co-fundou no pós-25 de Abril, como José Raposo, Maria Vieira, Virgílio Castelo ou António Feio. A direcção da Casa do Artista, de que Nicholson foi um dos impulsionadores, recordou-o, pela voz de Conceição Carvalho, como "um enorme lutador e um homem de causas": "O Francisco era um grande homem de teatro, de telenovelas, de televisão. Era um grande homem de cena". Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República, lamentou a morte de alguém “sempre à frente do seu tempo”, recordando o “humor que empregou em inúmeras personagens” e a sua “luta pela liberdade, quando ela não existia”: “Portugal fica mais pobre com o desaparecimento de Francisco Nicholson”, lamentou.

Iniciou-se enquanto profissional no teatro infantil, género de que se manteria próximo ao longo da carreira, mas seria na televisão, com Riso e Ritmo, pioneiro programa de humor de que foi autor, com Armando Cortez, actor e produtor em 1964, e, principalmente, com o convite de Raúl Solnado para, no mesmo ano, integrar o recém-criado Teatro Villaret, que Francisco Nicholson se começa a implantar firmemente no meio artístico nacional. No Villaret, estreia-se com O Inspector Geral, de Nikolai Gogol. Manteve-se no elenco do novo teatro dois anos, antes de iniciar uma profícua ligação ao Teatro ABC, no Parque Mayer. O sucesso de Gente Nova em BikiniLábios Pintados ou É o fim da Macacada, consagram-no como um grande nome do teatro de revista. Quando chega a revolução de Abril, tinha em cena Tudo a Nu, que é rapidamente encenada sem os cortes da censura e com novo título, Tudo a nu com Parra Nova

O actor Rui Mendes, que conhecia Nicholson desde o tempo em que ambos estudavam no Liceu Camões, em Lisboa, recordou precisamente aquela peça quando destacou à Lusa o papel do amigo na renovação da revista à portuguesa. Para essa renovação contribuiu a cooperativa teatral Teatro Adoque, nascida do entusiasmo com o novo país que surgiu com o fim da ditadura, e que teve entre os seus fundadores Francisco Nicholson, Rui Mendes ou a actriz e bailarina Magda Cardoso, actual companheira de Nicholson. Este sábado será lançando na Mouraria um livro dedicado à história da Adoque, da autoria de Luciano Reis. Virgílio Castelo, um dos actores revelados na cooperativa, fará a apresentação. "Creio que não se vai adiar esse lançamento, e é uma homenagem ao Francisco Nicholson que ele bem merece", afirmou Rui Mendes.

No início dos anos 1980, congeminou ao lado do recentemente falecido Nicolau Breyner, a primeira telenovela portuguesa, Vila Faia, que se revelaria um estrondoso sucesso. Origens (1983), Cinzas (1992) ou O Olhar da Serpente (2002) são outros títulos que contaram com argumento seu. Debilitado nos últimos anos, na sequência do transplante hepático a que fora submetido, passou os últimos tempos longe dos holofotes. Em 2014, porém, estreou-se enquanto romancista, editando Os Mortos Não dão Autógrafos.

Francisco Nicholson é pai da também actriz Sofia Nicholson, fruto do seu primeiro casamento, com Colette Liliane Dubois.

Estará em câmara ardente esta quarta-feira, a partir das 18h30, na Basílica da Estrela. O funeral terá lugar quinta-feira, a partir das 10h, partindo depois para o cemitério do Alto de São João.

 

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