Barragens vazias já obrigam a abastecimentos com auto-tanques no Alentejo

Alqueva tem reservas que asseguram o abastecimento das culturas regadas. Mesmo assim a Fenareg avisa: “Mais de 40 mil hectares poderão não ter água” na campanha de rega de 2016.

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A escassez de água volta a marcar presença na realidade baixo alentejana. Nesta altura do ano, as reservas de água tanto de superfície como nos aquíferos subterrâneos já se revelam escassas, o que faz temer por piores consequências no próximo Verão. A Federação Nacional de Regantes (Fenareg) já alertou para “a falta de água e para as consequências na campanha de rega deste ano”, lembrando que “pelo segundo ano consecutivo a precipitação foi inferior ao normal.”

Os casos mais preocupantes estão assinalados no Alentejo, salienta a Fenareg, referindo que as barragens da bacia do Sado registam, neste momento, apenas 30% de água na sua capacidade de armazenamento. Os dados das Associações de Regantes e do Sistema Nacional dos Recursos Hídricos destacam as limitações hídricas nas albufeiras de Vale do Gaio (58,9%), Lucefecit (58,6), Alvito (57,7%), Fonte Serne (50%) e Divor (50%). Com situação ainda mais preocupante estão Vigia (40%), Monte da Rocha (33.5%), Odivelas (32.8%), Pego do Altar (38.7%) e Roxo (28.8%). A albufeira do Alqueva apresenta 78% da sua capacidade máxima (3.127 milhões de metros cúbicos)

Pelo segundo ano consecutivo, a precipitação foi inferior ao normal e sete bacias hidrográficas a nível nacional registam volumes armazenados “inferiores à média dos últimos 25 anos”, assinala a Fenareg. Esta organização destaca os “casos mais dramáticos”, nas albufeiras de Odivelas e do Roxo, onde a situação é descrita como “particularmente grave”. A primeira regista um volume útil de acesso à água de apenas 31 milhões de metros cúbicos quando a sua capacidade máxima é de 96 milhões. A segunda tem uma reserva de 27 milhões quando a sua capacidade é de 94 milhões de metros cúbicos. Como têm de manter uma reserva de 10% do volume máximo, o chamado “caudal morto”, a água não chega para o regadio das culturas Primavera/Verão, que no caso do Roxo é acrescido de mais 4 milhões para o abastecimento público de Beja e Aljustrel.   

O presidente da Associação de Beneficiários do Roxo (ABRoxo), António Parreira, confirmou ao PÚBLICO que “o panorama é negro” mas espera que de Alqueva possa vir a reserva de água necessária para regar os culturas. O problema, acentua, “está no preço da água que é elevado para a maioria das explorações” de pequena e média dimensão.

“Vamos a ver se água vinda de Alqueva pode ser paga ou se, pelo contrário, vai cavar a sepultura de muitos agricultores” antecipa António Parreira receoso que a “pequena margem de manobra” que as explorações têm, não faça com os ganhos com a produção “sejam levados pelo custo da água.”

Acresce ainda o contencioso que a ABRroxo mantém há vários anos com a empresa Águas Públicas do Alentejo (APA). A água que esta entidade capta na albufeira do Roxo para garantir o abastecimento público das populações de Beja e Aljustrel não é paga. Mas, pela primeira vez, a associação de regantes vai ter de requisitar água à Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva (EDIA), para abastecer o seu sistema de rega. Resta saber “ se os agricultores vão ter de pagar a água que a APA vai retirar do Roxo para abastecer o consumo público”.  

A Fenareg prevê que “mais de 40.000 hectares de culturas regadas poderão não ter água para esta campanha de rega de 2016”, destacando que, “mais de um terço das culturas são permanentes (olival, amendoal e outras árvores de fruta, vinha, etc). As áreas de produção de arroz de Alcácer do Sal “estão também em causa”, adverte esta organização.

O abastecimento público também está ameaçado com a escassez de água. Em Castro Verde a câmara local já determinou o encerramento de todos os fontanários públicos “devido ao período de seca” e para evitar “o desperdício e consumos exagerados de água”, justificou ao PÚBLICO o presidente da Câmara, Francisco Duarte. O autarca garante que a situação “ainda não é preocupante” mas admite que o “período de seca que se avizinha” possa impor restrições.

Daí as decisões que a autarquia tomou no sentido de “racionalizar” os consumos por recear que o próximo Verão possa ser marcado por cenários de escassez. Com efeito, é a partir da barragem do Monte da Rocha, cuja albufeira apresenta um volume de apenas 34 milhões de metros cúbicos, (capacidade de 104 milhões de metros cúbicos de água) que são abastecidos, para além de Castro Verde, os concelhos de Ourique e Almodôvar.  

Em Mértola já foi necessário recorrer “pontualmente”, no final do Inverno, aos auto-tanques para abastecer pequenas povoações mais isoladas da margem direita do Guadiana, confirmou ao PÚBLICO o presidente da Câmara, Jorge Rosa. O problema pode vir a agudizar-se no próximo Verão dado existirem aglomerados populacionais que ainda não estão ligados ao sistema de abastecimento suportado pela barragem do Enxoé que abastece Mértola e Serpa.

Mais “preocupante” é a situação dos criadores de gado, refere o autarca, realçando a falta de água nas pequenas charcas e barragens utilizadas para o abeberamento do gado e que neste momento “ou estão secas ou cobertas de lodo”. Jorge Rosa admite que o problema da falta de água se vai colocar “com mais intensidade” nos meses que se seguem.

Entretanto a Fenareg já solicitou uma audiência com o Ministro da Agricultura.

A nível nacional, segundo dados do Sistema Nacional dos Recursos Hídricos, das 60 albufeiras monitorizadas, 28 apresentam disponibilidades hídricas superiores a 80% do volume total e cinco têm disponibilidades inferiores a 40%. Os armazenamentos de Março de 2016 por bacia hidrográfica apresentam-se inferiores às médias históricas para este mês - com destaque para a do Sado -, com excepção das bacias do Lima, Cávado/Ribeiras Costeiras, Ave, Douro e Tejo, que estão acima da média.

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