Direita discute transparência mas recusa exclusividade dos deputados

PCP também quer criminalizar o enriquecimento injustificado de todos os cidadãos e não apenas de políticos e consegue que o PS admita discutir esse alargamento. Comissão foi aprovada por unanimidade e já recebeu as cinco primeiras propostas sobre transparência.

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Silva Rodrigues inaugura ronda de audições a gestores públicos, que começa esta semana no Parlamento Pedro Cunha

Forçar os deputados à exclusividade de funções parlamentares, proibindo-lhes qualquer outra ocupação profissional é uma proposta do BE e do PCP que a direita se recusa a aceitar. Este foi o aviso deixado por PSD e CDS no debate sobre as propostas do PS, BE e PCP sobre as regras sobre impedimentos e incompatibilidades dos políticos e altos cargos públicos que, no entanto, acertaram agulhas com a esquerda e criaram, por unanimidade, uma comissão eventual para criar um novo regime sobre a transparência no exercício de funções públicas – como o PÚBLICO antecipou.

A esta comissão baixaram sem votação na generalidade os cinco diplomas da esquerda que já estavam no Parlamento para discussão. Mas que a prazo serão acompanhados de mais propostas. O PSD e o CDS, alvo de críticas do PCP e do BE por não terem ainda nenhuma medida sobre o assunto, prometeram colaborar com propostas, e o PCP fez questão se marcar já terreno sobre o enriquecimento injustificado.

O PSD “verá sempre com bons olhos as preocupações genuínas” de defender a transparência e a democracia, disse Luís Marques Guedes, mas defendeu “não ser sério lançar a Assembleia da República no frenesim legislativo alimentado por uma vendetta política ad hominem” e criticou o “alarde de uma superioridade moral a que uns quantos superiormente se arrogam”. Saudou o facto de o PS “ter mudado de opinião” por no passado ter “inviabilizado” numa comissão do mesmo tipo proposta pelo PSD e lembrou que o BE recusou em tempos a limitação às incompatibilidades dos deputados.

O ex-ministro e actual deputado recusou a “visão maniqueísta e totalitária de que só a exclusividade e o caminho para a funcionalização dos eleitos conduz à pureza ou rectidão no exercício das actividades parlamentares” e defendeu que a proposta do BE pode levar ao “regresso do deputado iô-iô, que entra e sai do Parlamento ao ritmo das suas conveniências partidárias ou pessoais”. Luís Marques Guedes argumentou que, se houver exclusividade, “muitos cidadãos ficarão impedidos de dar o seu contributo à política e ao Parlamento”, mas admitiu que será preciso ver o direito comparado sobre este assunto.

José Manuel Pureza contrariou Marques Guedes: “Quem são os melhores da vida política? Um quadro altamente qualificado na advocacia ou na consultoria de gestão e que faz leis não para defender o interesse público mas para salvaguardar o interesse particular do seu grupo é o melhor? Não, não é. Alguém de prestígio num sector de actividade mas que saltita entre a regulação desse sector e a direcção de empresas desse sector é o melhor para a vida política? Não, não é. É quem lança, aliás, a desonra sobre a vida política.”

O bloquista recusou o risco de funcionalização e profissionalização da política, respondendo com as “escolas da vida política”, e com quem “roda entre a juventude partidária, o instituto anexo ao partido, a comissão política, a bancada parlamentar e as empresas”.

O deputado do PEV, José Luís Ferreira, insistiu na exclusividade: “O interesse público exige que os titulares de cargos políticos não ocupem parte do seu tempo a tratar de interesses privados.”

Marques Guedes já tinha intervindo com o caso de Maria Luís Albuquerque em mente quando disse que o debate “nasce enviesado”, e o centrista António Carlos Monteiro seguiu o mesmo caminho pedindo uma discussão sem “demagogia nem populismo” e sem “fatos à medida” de alguém. O deputado realçou que um deputado “não é um funcionário público” e o líder da sua bancada, Nuno Magalhães haveria de aconselhar o BE a estender a regra da exclusividade a outras funções, como os sindicalistas, professores e todos os funcionários públicos.

PCP quer regime de enriquecimento ilícito aplicado a todos

Em jeito de reparo ao PS, o líder parlamentar do PCP defendeu que qualquer cidadão, e não apenas o político, deve ser criminalizado quando se trata de enriquecimento injustificado, e prometeu entregar em breve na Assembleia da República uma proposta nesse sentido. Em cima da mesa estão já as do PS e do BE: os socialistas querem fazer a penalização apenas pela via fiscal e para os políticos e detentores de altos cargos públicos, ao passo que os bloquistas apostam na criminalização.

“O combate ao enriquecimento injustificado limitado do poder político é um âmbito reduzido”, defendeu João Oliveira que desafiou o PS a discutir, no âmbito da comissão, esse alargamento a todos os cidadãos lembrando que “houve um banqueiro que se esqueceu de declarar uns milhões de euros ao fisco” e a classificação como criminalização e não apenas no foro fiscal. O comunista também defendeu a criminalização além do ponto de vista fiscal e a “necessidade de cruzamento de duas dimensões – o impacto fiscal da não declaração de rendimentos e a prática criminal [do enriquecimento] que tem de ser perseguida do ponto de vista dos tribunais”.

João Oliveira deixou ainda críticas ao PSD, acusando o partido de no passado ter andado em “manobras para propositadamente aprovar uma lei que fosse inconstitucional”. A dada altura, comunistas e sociais-democratas fizeram a corrida de quem apresentou primeiro na Assembleia da República um projecto de criminalização do enriquecimento injustificado (ilícito, como então se chamou) e Jorge Machado acabou por ganhar nos números: a proposta do PCP era então a número 360 e a do PSD a 374.

O socialista Filipe Neto Brandão respondeu que a disponibilidade do PS é “total”, mas lembrou que o Tribunal Constitucional já chumbou duas vezes os diplomas que previam a criminalização nos termos em que o PCP e o BE continuam a defender – precisamente por causa da questão da inversão do ónus da prova. “O enriquecimento é o resultado, não um comportamento, e o que tem que se criminalizar é o comportamento”, alegou, acrescentando que “dificilmente se conseguirá criminalizar o comportamento se ele não estiver acompanhado de uma obrigação declarativa”.

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