Lei define prazo máximo de inquérito, mas não prevê sanção para incumprimento

Violação dos prazos tem sido repetidamente levantada pelo ex-primeiro-ministro José Sócrates, que esta segunda-feira voltou a acusar num artigo de opinião o Ministério Público de colocar “esta investigação fora da lei”.

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Advogados de José Sócrates criticam Ministério Público REUTERS/Jose Manuel Ribeiro

A lei penal define prazos máximos (entre os seis e os 18 meses) para os procuradores terminarem os inquéritos, mas não prevê qualquer sanção para a violação desses prazos. Por isso, o entendimento generalizado dos tribunais é que os prazos são meramente indicativos, explicaram ao PÚBLICO vários penalistas. A questão tem sido repetidamente levantada pelo ex-primeiro-ministro José Sócrates, que esta segunda-feira voltou a insurgir-se contra o prolongamento da investigação que o visa, acusando num artigo de opinião o Ministério Público de colocar “esta investigação fora da lei”.

O professor universitário Damião Cunha, da Universidade Católica, acredita que os prazos definidos no Código de Processo Penal “são meramente orientadores” e nota que a própria lei não prevê nenhuma sanção para a ultrapassagem do prazo. Um outro docente da Universidade de Coimbra lembra que o incumprimento do prazo máximo de inquérito pode ter reflexos disciplinares, no seio do Ministério Público, mas não a nível da própria investigação.

Há, aliás, casos, como um dos inquéritos da Operação Furação — que pôs a nu um complexo esquema de fraude fiscal —, em que a acusação foi proferida 11 anos após o início do inquérito, já os prazos estavam ultrapassados há anos. O processo Monte Branco, outro escândalo financeiro, desta vez ligado à lavagem de dinheiro, está em investigação há cerca de cinco anos, ainda sem acusação formulada. Não por acaso os dois casos foram investigados pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), a unidade do Ministério Público que concentra os casos de criminalidade mais complexa, e investiga igualmente a Operação Marquês.

O artigo 276.º do Código de Processo Penal não prevê sanções para incumprimento do prazo máximo de inquérito, mas o incumprimento tem consequências. Exemplo disso é o fim do segredo de justiça para os intervenientes no caso, que não acarreta, contudo, qualquer invalidade da investigação.

“O Ministério Público encerra o inquérito, arquivando-o ou deduzindo acusação, nos prazos máximos de seis meses, se houver arguidos presos ou sob obrigação de permanência na habitação, ou de oito meses, se os não houver”, lê-se no número um do artigo.

Prazos alargados

Os prazos são alargados em diversos casos. Nos crimes mais graves, como terrorismo, branqueamento ou corrupção em que foi decretada a especial complexidade do caso, como aconteceu na Operação Marquês, o prazo é de 18 meses. Começa a contar-se “a partir do momento em que o inquérito tiver passado a correr contra pessoa determinada ou em que se tiver verificado a constituição de arguido”.

Na Operação Marquês, os tribunais entenderam começar a contar o prazo a 19 de Julho de 2013, o dia em que o inquérito foi aberto, já que nessa altura já havia um suspeito: inicialmente o empresário Carlos Santos Silva, amigo de infância de Sócrates. A contagem do prazo foi, no entanto, várias vezes suspensa, como prevê a lei, já que foram remetidas cartas rogatórias: pedidos formais de informação enviados a autoridades estrangeiras.

O prazo máximo foi atingido a 19 de Outubro do ano passado. Tal teve como consequência a possibilidade de o director do DCIAP — o superior hierárquico do titular da investigação, o procurador Rosário Teixeira — chamar a si o processo e dirigi-lo pessoalmente. Ele optou por não o fazer. A lei obriga o superior hierárquico do titular da investigação a dar conhecimento ao procurador-geral da República, aos arguidos e aos assistentes “da violação do prazo e do período necessário para concluir o inquérito”.

Foi esta decisão que o director do DCIAP, Amadeu Guerra, tomou na passada quarta-feira, fixando o dia 15 de Setembro deste ano “como prazo limite necessário para concluir o presente inquérito”. Logo de seguida, Amadeu Guerra admite que “decorrido este prazo, só por razões excepcionais, devidamente justificadas e fundamentadas, poderão servir de base à fixação de outro prazo”, diz no despacho.

Para fundamentar a decisão, Amadeu Guerra realça que neste inquérito “há necessidade de relacionar toda a documentação apreendida — contabilidade, documentação, escutas telefónicas, contas bancárias, suportes digitais com inúmera documentação”. O director do DCIAP dá ainda conta da realização de “reuniões de trabalho regulares” com os magistrados e os inspectores tributários que investigam o caso e frisa que a investigação está pendente da “cooperação de terceiras entidades”, estando em curso três cartas rogatórias.

No artigo desta segunda-feira, publicado no Jornal de Notícias, Sócrates ataca Rosário Teixeira, mas também Amadeu Guerra. “Violado o prazo máximo de inquérito o director do DCIAP devia ter avocado o processo ou marcado outro prazo — a lei não lhe permite outra coisa. Marcar prazos para definir o novo prazo final, como já por duas vezes havia feito, foi ilegal.” E questiona: “Com tantas razões excepcionais, não se darão conta os responsáveis do Ministério Público —, e desde logo, a senhora procuradora-geral — de que estão, pura e simplesmente, a transformar um processo que devia ser igual aos outros num processo, esse sim, excepcional?"

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