Até ao próximo congresso

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Adriano Miranda

Pedro Passos Coelho sai de Espinho com o congresso resolvido a seu favor. Outra coisa é a forma como o PSD se revê no líder. E se a contestação interna que se faz ouvir está num patamar secundário, sem nenhum político carismático que se anuncie claramente como oposição frontal a Passos, o que é facto é que os 95% de militantes que o elegeram agora e os delegados que o aplaudiram poderão, com a maior das facilidades, voltar a fazê-lo ou vir a votar e aplaudir convictamente o seu sucessor já na próxima reunião magna.

O 36.º Congresso do PSD foi peculiar. Não porque decorresse de modo diverso de todos os outros, mas pelo facto de estar, pela primeira vez, a consagrar a reeleição de um presidente que já foi primeiro-ministro e que nessa condição liderou a coligação Portugal à Frente, ganhando as eleições. Esse estatuto de vencedor nas urnas limitou qualquer espécie de contestação aberta. Como lembrou Santana Lopes, dentro do PSD não pode formar-se um movimento mimetizando a deposição de Passos como primeiro-ministro. Ou seja, não se defenestra um líder que teve sucesso como chefe de Governo e depois ganhou eleições.

Candidatos a candidato

Mas não deve ser tomada a nuvem por Juno. Ou seja, uma coisa é Passos não ter sido contestado durante os trabalhos congressuais e apenas José Eduardo Martins ter mantido o discurso crítico quando subiu ao palco, chegando mesmo a criticar a “insensibilidade social” e passividade de Passos face à União Europeia e a Angela Merkel - numa intervenção em que se posicionou para o futuro como candidato a candidato a líder. Outra coisa muito diferente é poder pensar-se que Passos é, neste momento, um líder incontestado e amado pelo partido. Foram claros os sinais do contrário, de que o PSD se resguarda na determinação política do seu presidente reeleito, perdido e desorientado que está com a experiência de ver o secretário-geral do PS, António Costa, ascender à primeiro-ministro por força de acordos inéditos com o PCP e o BE. E traumatizado pela perda do poder governativo quando achava que o iam manter.

Em Espinho, ficou claro que o PSD está ávido de se reencontar num discurso e num projecto político-programático para o país. A exigência de uma estratégia coerente que não ponha em causa o passado no Governo, mas que vá além de prometer uma governação que repita esse passado, foi uma tónica presente em diversas intervenções. Essa preocupação foi chefiada visivelmente por figuras como Luís Montenegro, Jorge Moreira da Silva e Pedro Duarte, que do palco pediram implicitamente uma estratégia de oposição mais activa, ao apresentarem ideias para serem levantadas pelo líder como bandeiras do partido.

Talvez o mais subtil deste grupo de dirigentes tenha sido Montenegro, líder parlamentar que só pode ser leal a Passos, mas que fez um discurso político estratégico e programático para o país, o qual pré-anuncia o início de um caminho para também ele se posicionar como candidato a candidato a líder. E que rematou com a proposta de que o PSD defenda um pacto entre partidos para baixar a carga fiscal. Mas foi possível ver também marcarem lugar no futuro do partido dois ex-líderes da JSD que aí sucederam a Passos: Jorge Moreira da Silva, que propôs que o partido assuma preocupações estratégicas sobre coesão territorial, e Pedro Duarte, que avançou com três bandeiras - uma revisão do sistema de ensino; a aposta na inovação e na investigação, que traga a competitividade das empresas; e a procura da eficiência do Estado, através da descentralização.

Depois de, na abertura, ter reconhecido a legitimidade parlamentar e constitucional do Governo do PS e afirmado-se como líder da oposição, no encerramento Passos deu um passo em frente ao clarificar que não há eleições à vista. E repetiu as propostas de reforma de Segurança Social e de sistema político.

Frio em Espinho

Só que isso não foi o suficiente para aquecer a alma de um partido que está fragilizado. E o frio que foi vivido na Nave Desportiva de Espinho não era mensurável apenas em graus centígrados. Passos Coelho nunca foi ovacionado, nunca recebeu uma daquelas longas salvas de palmas com a sala de pé gritando o nome do partido. Nesse domínio do “palmómetro” o fim-de-semana foi para Santana Lopes, quando aconselhou o partido a “keep cool” sobre as eleições autárquicas, reanimando a hipótese de poder ser candidato à Câmara de Lisboa. Ou quando pediu uma homenagem do congresso ao antigo líder do PSD durante uma década, que agora terminou outra década como Presidente da República, Cavaco Silva.

Quanto a Passos, em termos de calor humano, afectividade de tribo, electricidade política, o clima nunca aqueceu verdadeiramente. Ainda que a sala nunca tenha ficado gelada, foi notório a existência de alguma indiferença e a desconfiança. Exemplos dessa frieza foi o encerramento do congresso. Apenas o hino nacional e do partido ecoou na sala depois de umas brevíssimas palmas ao discurso de Passos. E não se ouviu ninguém gritar “PSD/PSD”. E também o momento, no sábado à tarde, em que o líder anunciou a nova direcção que propunha à eleição pelos delegados domingo de manhã. A leitura da lista dos nomes foi vagamente aplaudida.

A começar pela comissão permanente, onde se sentam os vice-presidentes Sofia Galvão, Teresa Leal Coelho, Maria Luís Albuquerque, Teresa Morais, Jorge Moreira da Silva e Marco António Costa. Pior: logo na noite de sábado, nos corredores do pavilhão, era audível o desagrado pela forma como Passos manteve o estilo de proteger os seus e promoveu a contestada ex-ministra das Finanças, para mais num momento em que ela é questionada por alegadas incompatibilidades entre o seu recente passado governativo e o lugar de administradora não executiva da Arrow Global.

Com um congresso resolvido e o partido à espera que os conduza agora, de novo, na oposição, Passos sai de Espinho com um objectivo claro: ganhar as autárquicas de Outubro de 2017. A fasquia foi colocada pelo histórico dirigente Álvaro Amaro, ex-secretário de Estado com Cavaco Silva, antigo deputado e actual presidente da Câmara da Guarda. O PSD tem que reconquistar a presidência da Associação Nacional de Munícipios Portugueses e a Associação Nacional de Freguesias – Anafre. No encerramento, Passos assumiu esse compromisso e o de liderar a oposição. Até ao próximo congresso do PSD, que é, de acordo com as regras do partido, daqui a dois anos. Se não for antecipado.

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