"O PSD tem de fazer o seu trabalho e não esperar nada do Presidente"

Paulo Rangel, eurodeputado do PSD, defende que está na hora de "fazer oposição mais forte" ao Governo do PS. Congresso do fim-de-semana deve encontrar novas caras e nova agenda.

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“Eu vou ao congresso dizer o que penso. Se outros acham que não devem ir, é um problema deles”, diz Rangel NÉLSON GARRIDO

A pergunta surgiu no fim da entrevista, num último desvio ao tema fundamental, que é o Congresso do PSD, que se realiza neste fim-de-semana em Espinho: "Sente-se um homem inquieto?". Paulo Rangel, 48 anos, eurodeputado, professor, advogado, consultor, respondeu sem hesitar que sim, "inquieto, do ponto de vista existencial, e irrequieto". Na sua página de colunista do PÚBLICO, escreveu: "Se morresse amanhã, se morrer amanhã, ainda serei feliz. Depois, não sei." Por agora, o futuro que o inquieta e põe a mexer é o do seu partido, que deve sair de uma certa letargia em que caiu depois de ter sido relegado para as bancadas da oposição por falta de uma maioria parlamentar. O congresso, defende Rangel, tem de ser o ponto de arranque para uma "retoma", para o início de uma oposição "mais agressiva" e de uma "reinvenção" do PSD, liderada por Passos Coelho, como um partido com novos rostos e vozes, uma agenda reformista centrada na educação e na economia, e sem esperar por eventuais ajudas vindas do Palácio de Belém, sede do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, um antigo líder do PSD.  "O partido tem de fazer o seu trabalho, não é o Presidente que vai fazer o trabalho do PSD", sustenta.

O Presidente da República promulgou esta semana o Orçamento do Estado para 2016. O que é que isso significa para o PSD, que votou contra e se recusou a apresentar propostas?
Era totalmente expectável que promulgasse. E é normal que os partidos da oposição votem contra. Se a liderança do PSD fosse de Sá Carneiro ou de Cavaco Silva, líderes carismáticos, ninguém estranharia que eles dessem um rotundo não ao orçamento e essa é posição do PSD, porque o orçamento é globalmente mau.

Está a dizer que Passos Coelho não tem carisma ou que o Presidente promulgou um mau orçamento?
O PSD fez muito bem em ter uma posição clara. António Costa e o seu Governo trabalham na política das meias-tintas, dão uma coisa aqui, dão outra coisa ali, negoceiam aqui, negociem ali e o país precisa de um rumo claro. Esta política que o orçamento contém vai ter efeitos nefastos para os portugueses. E o papel de um partido que queira liderar a oposição é estar contra esse orçamento. Um líder carismático teria justamente uma oposição firme e inequívoca e foi isso que fizemos.

Já o CDS apresentou propostas…
O CDS está numa posição diferente, não lidera a oposição, tem alguma necessidade de afirmação e de diferenciação. Porventura, devíamos ter sido mais assertivos.

O que é que faltou?
A autocrítica é ao facto de o PSD não ter passado essa mensagem de um modo mais claro. Devia ter sido mais assertivo na comunicação, porque isso interessa para o futuro e tem a ver com aquilo que se espera do congresso [que começa nesta sexta-feira, em Espinho] que é a necessidade de o PSD aparecer com mais rostos. É provável que a mensagem não tenha passado da forma ideal por falha própria.

A falha foi do líder do partido?
Depois do processo eleitoral, houve um período de adaptação a um novo ciclo político cujo processo foi bastante crispado e tenso. A partir do momento em que está tudo digerido – e penso que o ciclo final foi a eleição do Presidente da República –, o partido já teve tempo de se adaptar e  devíamos já estar num postura mais interventiva e agressiva, uma oposição mais forte em vários domínios.

Está, no fundo, a criticar a oposição suave do seu partido?
Compreendo que tivesse havido uma certa inércia, mas a partir do momento em que se fechou o novo ciclo político, o PSD já devia estar, pelo menos em alguns nichos, a fazer oposição mais activa, porque o país precisa dessa oposição. Tínhamos aqui um período de tolerância que se encerra com o congresso e a necessidade de um novo impulso, uma legitimidade fresca, que vem com a eleição directa [do presidente do PSD] e que virá com o congresso e com os novos órgãos.

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"O PSD não deve em caso nenhum pedir nem esperar nada do Presidente" Nélson Garrido

Passos foi eleito com 95% dos votos. Será um congresso sem história?
Está nas mãos dos congressistas e também da liderança fazer do congresso o momento de retoma, de uma oposição ao Governo mais agressiva, que já poderia estar em marcha desde a eleição do Presidente da República.

Defende uma reinvenção do PSD. Em que sentido?
Precisamos de duas coisas: de um conjunto de rostos que falem pelo partido e que, em certo sentido, poupem o próprio líder a uma intervenção quase diária; e de uma agenda reformista, que eu concentraria num ponto, que até tem a ver com uma certa autocrítica sobre aquilo que foram os nossos últimos quatro anos e meio. É preciso reactivar um conjunto de porta-vozes, para que as intervenções do líder sejam valorizadas em função da diferente gravidade dos assuntos. Este é um aspecto importantíssimo que exige a renovação da equipa, porque implica trazer rostos novos. Não sei se é um governo-sombra, se é uma equipa de porta-vozes. Serão pessoas que têm uma história no PSD recente, ou que não têm estado tão envolvidas politicamente e há, ainda, outras que têm de ser recuperadas.

É essa a reinvenção do PSD?
A questão é que partido é que queremos que o PSD seja no futuro. Queremos que seja um partido de quadros, quase confessional, como vimos no congresso do CDS? Penso que essa não é a nossa vocação.

Então qual é?
É ser o partido das classes médias, um partido de massas e, como tal, tem de pegar nos sectores mais dinâmicos do país, tem de mergulhar no seu ADN. Quem é que formou o PSD? As classes mais dinâmicas, a pequena e média burguesia, as profissões liberais, muito implantadas autarquicamente e por isso é que o PSD foi sempre um partido fortíssimo a nível do poder local.

Passos Coelho é o homem certo para essa reinvenção?
Olhando para o sistema político português, é bom que alguém que foi líder e que foi primeiro-ministro possa continuar líder e vir a ser primeiro-ministro. É essa a tradição em muitos países e é essa a tradição portuguesa. Sá Carneiro, Freitas do Amaral, Mário Soares perderam eleições e ninguém se lembrou de os pôr em causa. No caso de Passos Coelho, até ganhou as eleições...

É uma questão de novo fôlego?
É preciso um novo fôlego para um novo tempo, porque esse tempo de condições políticas diferenciadas, e bastante diferenciadas das anteriores, está aí. A retoma já deveria estar em marcha pelo menos desde as presidenciais.

Qual é a sua mensagem para este congresso?
Que devemos apostar na ideia de mobilidade social, que deve ser o nosso transporte ou a nossa alavanca para esta fase do século XXI. Vou dar dois exemplos: o que é que as estruturas do PSD podiam fazer para captar isso? Uma é no terreno das cidades: devíamos olhar muito para o movimento das startups e das inovações. A outra ideia passa por trazer para o partido aqueles portugueses que emigraram nos últimos cinco anos, porque são pessoas com espírito aventureiro e que arriscam. Mas, para isso tem de haver uma secretaria-geral do partido a incentivar.

Passos Coelho deve renovar a direcção?
Essa renovação deve ser na direcção e na própria agenda do PSD.

Com quem?
Se eu quisesse escolher nomes era candidato a líder, coisa que não fui.

E em 2017?
Não estou a pensar nisso.

Afasta uma candidatura à liderança do PSD?
Há muita gente para isso. Nós precisamos neste momento de mais porta-vozes, de mais quadros, agora de eventuais candidatos a líder não temos falta. Há gente com valor para isso.

Rui Rio seria um bom candidato?
Claro que sim.

Rui Rio devia ir ao congresso?
Eu vou ao congresso dizer o que penso. Se outros acham que não devem ir, é um problema deles.

Politicamente onde é que esse PSD do futuro se situa?
O PSD deve ser o partido da ascensão social, da mobilidade social, é neste sentido que, aliás, leio esta ideia “social-democracia sempre”.

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"A educação é o elo fraco, para não dizer fraquíssimo, deste Governo" Nélson Garrido

O PSD deve reforçar-se com um governo-sombra?
É uma hipótese. É importante termos gente mesmo nova, militantes que não tiveram responsabilidades ao longo do tempo, mas também manter algumas pessoas, porque é preciso assegurar continuidade e talvez, até, recuperar uma ou outra pessoa que no passado estiveram muito envolvidas e que entretanto se afastaram. É importante que a liderança tenha um conjunto de pessoas que possam também participar activamente na vida política diária, que possam fazer o contrabalanço aos actores dos outros partidos. Acho que a partir da eleição de Marcelo deveríamos estar um bocadinho mais vivos e depois do congresso não temos nenhuma razão para não estar.

Mas é uma questão de energia ou de caras novas?
São as duas coisas. Quando digo caras novas não digo de têm de ser todas novas, têm de ser caras que apareçam.

Passos acena agora com a “social-democracia sempre”, que é, aliás, o lema do congresso deste fim-de-semana. É um slogan para tranquilizar o próprio partido?
Penso que não. Ao longo de quatro anos e meio de governação, houve sempre uma referência a este ponto, nos discursos de Passos Coelho, em termos muito precisos. Dizia que, para salvar o Estado Social, era preciso fazer este trabalho de limpeza das finanças públicas. Num certo sentido, era quase a ideia de que os fins justificavam os meios, isto é, era sempre em nome de uma ideia social. Passos Coelho quer ter oportunidade de governar com um projecto que não seja o da troika e que seja um projecto social-democrata, de uma social-democracia moderna.

A coabitação entre um Governo e um Presidente da República que é do PSD não pressiona o próprio partido a fazer uma oposição de uma maneira diferente?
Não. A variável presidencial é uma variável independente. O PSD não deve em caso nenhum pedir nem esperar nada do Presidente. O Presidente tem de fazer aquilo que lhe compete. Não temos de esperar nada do Presidente. Nem nós nem o PS.

Mas o Presidente, que já foi líder do PSD, e que foi eleito pela maioria dos portugueses, não fará sombra a um presidente social-democrata que não consiga fazer passar a sua mensagem?
Foi muito bom para a democracia portuguesa mostrar-se que o PS não é dono da Presidência da República. Isso já se tinha visto com Cavaco Silva, mas por momentos podia-se ter pensado que era uma excepção. Ficou demonstrado que não. O partido tem de fazer o seu trabalho, não é o Presidente que vai fazer o trabalho do PSD.

Que consequências é que o líder do PSD deve tirar se o partido tiver um mau resultado nas autárquicas do próximo ano?
Não vale a pena estarmos agora a especular. Muita água vai correr debaixo das pontes. O ciclo político mudou, as condições políticas são diferentes e portanto é preciso nós adaptarmo-nos a esse novo ciclo.

“O PSD não pode centrar-se apenas na macroeconomia”

Defende que o PSD deveria fazer uma oposição mais agressiva. Em que sectores?
Na educação e na economia. A educação é o elo fraco, para não dizer fraquíssimo, deste Governo. Já deveríamos estar absolutamente determinantes, porque está em curso um puro desmantelamento do sistema educativo, a entrega do sistema ao mandarinato dos sindicatos, e da Fenprof em particular. Isto nem no tempo do socratismo, que tinha uma política errada, mas até foi extremamente positivo na dessindicalização da educação. Está em marcha uma reversão nesta área, muito por força do papel que o PCP tem na actual conjuntura política. O PSD tem de ser uma voz fortíssima contra esta reversão da educação, porque é uma matéria tão importante como a macroeconomia.

Desmantelamento? Refere-se a quê?
O exemplo principal são as provas de avaliação. Sou totalmente contra o fim dos exames, desde que não sejam (como não eram) o único meio de avaliação. As provas são um meio importante. Vejo como as gerações dos países de Leste estão muito mais bem preparadas, têm um sistema de ensino muito mais exigente do que o nosso. Depois, há a questão das provas de aferição, que são um instrumento importante que, em todo o caso, se tornou facultativo. Esta falta de orientação, esta coisa em que o Ministério da Educação não é, sequer, capaz de identificar o número de baixas que existem, prova que isto está totalmente desgovernado.

E quanto à economia?
Até agora não há nenhuma medida na área da economia. A única vez que o ministro da Economia falou foi para recomendar às pessoas não irem a Espanha meter combustível. Sobre o apoio às pequenas e médias empresas, sobre a questão das exportações, ninguém o ouve falar sobre nada. Temos aqui duas áreas cruciais, nas quais os socialistas disseram que iam fazer uma melhoria e onde não fizeram nada. É já claro o falhanço clamoroso.

Na coligação com o CDS, o Governo do PSD foi sempre encarado como estando mais à direita…
Não estou totalmente de acordo com essa leitura. O PSD é um partido plural, com correntes mais liberais e correntes mais estatistas não apenas do ponto de vista económico, mas até do ponto de vista da própria leitura moral. O que acontece é que nós tivemos que fazer uma política que foi muito marcada pelas exigências europeias e por uma situação de bancarrota e que, do ponto de vista financeiro, foi extremamente ortodoxa e até dita neoliberal. Há aspectos sociais aos quais se deu menos atenção, foram um pouco descurados. Curiosamente, o novo ministro da Saúde tem propostas que são talvez mais disruptivas para o Serviço Nacional de Saúde do que as que tinha o Governo anterior.

Este posicionamento do PSD, de não fazer propostas para melhorar o orçamento, vai ser compreendido pelo eleitorado, quando no tempo de Sócrates até deu o aval a várias medidas?
São dois períodos diferentes. Nessa altura o orçamento Sócrates já continha a tentativa de travar o caminho para a bancarrota, e, portanto, nós estávamos a apoiar medidas que eram difíceis, Agora temos um orçamento que nos está a levar para caminhos que podem ser os dos riscos que nós passamos em 2011. Não está excluído que Portugal venha a ter outra vez problemas sérios do ponto de vista orçamental.

O eleitorado vai compreender a ausência do PSD?
Compreenderá perfeitamente, porque percebe que o orçamento nos leva a um mau caminho. Uma coisa é estarmos a ajudar uma política que visa colocar Portugal em melhor situação do que aquela em que estava, outra coisa é estarmos a cooperar com uma política que sabemos por experiência que vai levar Portugal para uma situação pior e vai fazer com que os portugueses, a prazo, venham a pagar essa factura.

O PSD vai depois aparecer como salvador?
O PSD não deve ser cúmplice deste tipo de Governo de meias-tintas. Se o PS estivesse disponível para governar com o PSD, tinha feito, eventualmente, um acordo com o PSD. Não quis. Somos oposição e cá estamos para fazer oposição responsável.

Em Abril, os Estados da União Europeia devem apresentar a Bruxelas os seus pactos de estabilidade e crescimento (PEC). Será um primeiro teste à liderança de António Costa?
No plano de estabilidade, acho que vamos ter problemas. Qual é a previsão que o Governo tem para os próximos quatro ou cinco anos? Isso vai obrigar a uma concertação com Bruxelas muito cuidadosa, que, aliás, o Governo não fez com o orçamento. Se o tivesse feito, tinham-se poupado alguns dos problemas. Mas a minha intuição política diz-me que este ainda não será o momento em que verdadeiramente os problemas aparecerão.

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"O PSD não deve ser cúmplice deste tipo de Governo de meias tintas" Nélson Garrido

E qual é esse momento?
Será quando tivermos dados fiáveis sobre a execução orçamental. Curiosamente, o Presidente, empresários e economistas apontam para Março ou Abril de 2017 como um momento crucial para se fazer uma avaliação.

E o que deverá fazer o PSD nessa altura?
O PSD não pode centrar-se apenas na macroeconomia. O partido não deve ter vergonha da sua herança, não deve deixar de ser exigente no plano das finanças públicas, do défice, da dívida, do cumprimento das metas europeias, mas isto não pode ser um monotema. Por isso, acho que o PSD se deve centrar em dois: economia (e na questão dos combustíveis); e na educação, em que houve uma cedência completa a lobbies educativos.

A coligação com o CDS é para repetir?
O CDS é um parceiro preferencial.

Mesmo que Paulo Portas continuasse na liderança do partido?
Paulo Portas era o mais antigo líder da política portuguesa. Admito que ele estivesse numa situação de uma certa exaustão. Passou pelo célebre processo [da demissão] irrevogável, que não é um processo tão simples. Acho naturalíssimo que o CDS tenha feito a sua renovação nestes termos e acho natural que o PSD esteja onde está.

Que expectativa tem relativamente ao mandato presidencial?
Vai ser um excelente mandato, porque a experiência de Marcelo Rebelo de Sousa é enorme a nível nacional e internacional e o seu conhecimento dos dossiers é enorme. Do ponto de vista da personalidade política, o Presidente tem um agudo instinto institucional, ao contrário do que as pessoas às vezes pensam por causa dos anos que viveu enquanto comentador político. É uma pessoa com um sentido patriótico muito grande e tem esse aspecto de tocar as pessoas directamente. Ele vai puxar pelo lado afectivo, que também é importante na política. Do ponto de vista das funções, tem uma concepção dos poderes presidenciais mais alargada do que a dos seus antecessores.

Não vamos ouvi-lo criticar a intervenção activa de Marcelo?
Não sei. Apoiei Marcelo Rebelo de Sousa de alma e coração. Tinha uma enorme admiração pelo professor Cavaco Silva e não deixei de o criticar quando tive de o fazer. Fui muito crítico de Jorge Sampaio, mas não deixo de lhe reconhecer méritos que ele tinha absolutamente indisputáveis e achei que, até hoje, talvez Mário Soares tenha sido o melhor Presidente que tivemos, mesmo por criar alguns problemas ao Governo. Mário Soares, com o seu estilo, obrigava o Governo a pôr-se em sentido e a não cometer tantos erros e a dar  tantos passos em falso.

Isso evitaria a dramatização da política?
Sim. Não sei se não é isso que Marcelo Rebelo de Sousa quer dizer quando afirma que quer desdramatizar: se de vez em quando não vai puxar as orelhas ao Governo, justamente para evitar depois ter de lhe dar um bofetão.

Há no PSD quem defenda que tem perfil para protagonizar uma candidatura à Câmara do Porto. Está disponível?
Não é uma coisa que esteja no meu horizonte.

Porquê?
Porque estou muito concentrado nas minhas tarefas europeias. Sou vice-presidente do grupo parlamentar do Partido Popular Europeu, não estou a ver um regresso assim tão rápido e menos até para a política autárquica.

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