Ménage à trois” do PSOE com o Podemos e o Cidadãos é a última carta de Sánchez

Para o líder socialista, formar governo é uma questão de sobrevivência e por isso precisa do apoio parlamentar de Iglesias

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Sánchez depois do encontro com Iglesias: “Estamos mais perto do governo de mudança do que de eleições" PIERRE-PHILIPPE MARCOU/AFP

Cem dias depois das eleições de 20 de Dezembro não há progressos assinaláveis na formação de um governo espanhol. Há conversas. O secretário-geral socialista, Pedro Sánchez, encontrou-se esta quarta-feira com Pablo Iglesias, líder do Podemos. “Estamos mais perto do governo de mudança do que de eleições”, disse aos jornalistas. No entanto não há avanços reais. 

Na véspera, Sánchez discutiu com Albert Rivera, líder do Cidadãos, as condições de um acordo com o Podemos, dadas as diferenças entre os três partidos sobre alianças e governo. O PSOE fala na maioria dos 199 (PSOE, Cidadãos e Podemos). Iglesias fala na maioria dos 161 (PSOE e Podemos, com a abstenção de partidos regionais independentistas). A maioria é de 176 mandatos. Na segunda votação, basta a maioria relativa. À falta de governo até 2 de Maio, haverá eleições em Junho.

O PSOE e o Cidadãos celebraram um acordo de governo que foi aprovado em referendo pelos militantes socialistas. O problema é que apenas somam 131 votos no Congresso, o que, dada a posição do Partido Popular (PP), deixa a decisão nas mãos do Podemos.

Rivera traçou algumas linhas vermelhas para um acordo com Iglesias: a oposição a referendos regionais de autodeterminação, o equilíbrio orçamental, as metas europeias do défice e consensos na política antiterrorista. O Podemos pensa o inverso. O Cidadãos aceita negociar o apoio do Podemos à investidura de Sánchez mas não apoiará nenhum governo que inclua o Podemos. O PSOE não quer governar com Podemos, quer o seu apoio parlamentar. 

Não é contudo o que Iglesias pensa. Ele anunciou que renunciava a entrar pessoalmente no governo — depois de ter exigido a vice-presidência — desde que o PSOE “rompa com Rivera”, isto é, renuncie a integrar o Cidadãos no futuro “governo progressista”, onde deveriam entrar o Podemos, a Esquerda Unida (IU, pró-comunista) e o Compromis (aliança de esquerda de Valência). 

Sobre as conversas entre os dirigentes paira o fantasma de eleições em Junho. Os analistas sublinham que todos estão a negociar com a preocupação de “passar culpas”: nenhum quer ser responsabilizado pela convocação de eleições antecipadas. Este jogo é particularmente claro entre PSOE e o Podemos, que mantém o seu objectivo de hegemonizar a esquerda e ocupar o espaço político dos socialistas. 

Desgaste dos partidos

Deixando de lado a crise interna do PP, também na esquerda o PSOE e o Podemos aparecem enfraquecidos. Sánchez conseguiu adiar o congresso do partido e sobreviver por alguns meses, mas enfrentará no sábado uma reunião do conselho federal onde os “barões” lhe pedirão contas sobre a sua capacidade de formar uma maioria. A sua sorte política está ligada à conquista do governo. Se falhar ninguém duvida da sua queda. 

Também no Podemos surgiu uma brecha — a divergência entre Iglesias e o “número dois”, Iñigo Errejón, que critica o centralismo do líder, pede um novo modelo de partido e uma política menos bélica. A liderança de Iglesias não está em causa mas arrisca-se a um desaire eleitoral se a imagem do Podemos permanecer como a do “Partido do Não”. Por fim, as suas “filiais regionais”, na Galiza ou na Catalunha, passaram a afirmar a sua autononia face à direcção central. Fraqueza e desconfiança não favorecem a negociação.

Ao celebrar um pacto de governo com o Cidadãos, Sánchez marcou alguns pontos: é (segundo as sondagens) a solução com mais alta aprovação no eleitorado e foi referendada pelos militantes socialistas. Mostrou a “vontade negociadora” dos dois partidos. Mas, politicamente, significa a opção por um governo de centro-esquerda, nos antípodas do Podemos. A decisão do PSOE tem duas razões maiores: primeiro, a simples aritmérica parlamentar, afastado que está qualquer acordo com o PP. A segunda, e fundamental, é outra: “Sánchez necessita de se aproximar agora do Podemos quanto mais não seja para o poder culpar pela ruptura final de 2 de Maio”, escreve o analista Enric Juliana.  É esta a lógica do “ménage à trois”. 

Quem perde com eleições?

Nestes termos, prossegue Juliana, enquanto o Cidadãos tentará “neutralizar o voto negativo do PP, o PSOE terá em mente estrangular o campo de manobra do Podemos.” No entanto, Iglesias tem ainda na manga uma outra carta: com uma aliança com a IU, valorada em perto de 5% dos votos, poderia ultrapassar o PSOE, a sua meta estratégica. 

É a incógnita. As sondagens mostram que a maioria dos espanhóis apreciam o fim do bipartidarismo e, no caso de nova eleições, o voto não deverá mudar muito. No entanto, argumenta o politólogo Lluís Orriols, a incapacidade de os partidos formarem um governo e fazerem pactos pode “provocar cansaço” e levar a uma desmobilização do eleitorado. E, segundo as sondagens, “o PSOE é o partido que mais preocupado se deveria mostrar por um aumento da abstenção.” Quanto tempo resistirá a Espanha sem governo?

As eleições continuam a ser o cenário provável. Alguns falam no precedente catalão: alinhavar um governo à pressa no último dia.
 

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