Morreu Phife Dawg, dos A Tribe Called Quest, e o hip hop ficou mais pobre

Eram conhecidos os problemas de saúde do MC da banda charneira da década de 1990. Desaparece aos 45 anos, meses depois de termos voltado a celebrar os autores de Can I kick it?.

Foto
O rapper em 2011, quando da estreia de Beats, Rhymes & Life: The Travels of a Tribe Called Quest no Festival de Cinema de Tribeca AFP PHOTO / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Jemal Countess

Talvez o facto de terem crescido juntos servisse de justificação. Talvez fosse de partilharem uma mesma visão musical e de, muito provavelmente, terem crescido com os pais a ouvirem os mesmos discos de jazz, soul e funk. Talvez fosse por isso que Q-Tip e Phife Dawg se complementassem tão bem, rimando alternadamente nos A Tribe Called Quest, banda-charneira do hip hop nos anos 1990 que voltámos a celebrá-los com a reedição no final de 2015 do álbum de estreia, People’s Instinctive Travels and the Paths of Rhythm.

Chegou agora a triste notícia, a da morte de Phife Dawg esta terça-feira, aos 45 anos, anunciada por Chuck Chillout, um proeminente DJ nova-iorquino. Ainda que não haja, até ao momento, qualquer comunicado oficial, a notícia foi confirmada pela revista Billboard. Não foram divulgadas as causas da morte, mas eram conhecidos os problemas de saúde de Phife Dawg, nascido Malik Taylor. O MC fora submetido a um transplante de rim em 2008 (a sua mulher foi a dadora), na sequência de uma insuficiência renal provocada pela diabetes de que sofria há muito - chegou a descrever-se, com humor, como The Funky Diabetic.

Nascido a 20 de Novembro de 1970 no bairro de Queens, em Nova Iorque, Malik Taylor partilhou bairro e escola com o futuro companheiro de banda Q-Tip. O hip hop foi paixão à primeira vista. “Arrisquei a minha vida, ser expulso de casa e tudo o mais só para fazer parte dele”, cita-o em obituário a Rolling Stone, recordando uma frase do documentário dedicado à banda Beats, Rhymes & Life. Mas não é certo que tenha sido o crescimento tão próximo de Q-Tip a ditar esse entendimento tão profundo na banda. Afinal, aos dois velhos companheiros juntavam-se  o DJ Ali Shaheed Muhammad e Jarobi White – e Phife Dawg só é creditado como membro de pleno direito do grupo ao segundo álbum, ainda que desde logo se tenha tornado indispensável nele.

Entre 1990 e 1998, os A Tribe Called Quest foram responsáveis, juntamente com os De La Soul, por exemplo, pela afirmação de um hip hop onde o lúdico e a pesquisa estética se conjugavam. Mergulhando nos discos de jazz das décadas de ouro do género, usando o humor como forma de questionamento, fazendo constantes homenagens aos nomes que os antecederam ou usando o groove lânguido de um contrabaixo como marca rítmica, a banda tornar-se-ia, com os álbuns The Low End Theory, Midnight Marauders, Beats, Rhymes and Life e The Love Movement, uma das mais bem-sucedidas da década, critica e comercialmente, e uma influência marcante para o hip hop que chegaria depois. “No fim de contas o que fizemos foi abandonar uma certa postura mais dura que havia sido construída no rap e focámo-nos numa filosofia mais transversal e essencialmente numa música mais melódica”, dizia Phife Dawg ao Ípsilon em Janeiro.

Reflectindo sobre os primeiros passos da banda, que se estreou em álbum em 1990, Phife Dawg afirmou então que o êxito não era algo que lhes ocupasse o pensamento. “Claro que queríamos ter sucesso, mas estávamos mais interessados na produção, na cadência e na fluidez da nossa música. Era isso que nos motivava. Muitas vezes perguntam-me se éramos uma resposta aos Public Enemy ou esse tipo de coisas. Nem pensar! Queríamos apenas ganhar o nosso espaço”. Dos The Roots, com quem actuaram quando da reedição recente do álbum de estreia, a Kanye West, que os convocou para a digressão de Yezzus, ou a Kendrick Lamar, notoriamente um descendente do grupo de Can I kick it?, a influência dos A Tribe Called Quest é transversal.

A banda separou-se após a edição, em 1998, de The Love Movement. Reuniram-se pela primeira vez em 2004, continuando a actuar esporadicamente. Phife Dawg, que raramente regressava às gravações históricas da sua banda – detestava o som da sua voz nessa altura, dizia -, gravou apenas um álbum a solo, Ventilation: Da LP, editado em 2000. O que conseguiu com os seus A Tribe Called Quest continuava porém a ser fonte de contínua surpresa. Cita-o o Independent: “É estranho de uma forma boa. Nunca esperei que se tornasse tão grande. Achei que seríamos simplesmente celebridades no bairro. Honestamente, passados 25 anos, quando vou a sítios como a Austrália, o Japão, Amesterdão e Londres e a Alemanha e as pessoas sabem as canções palavra a palavra, é de loucos”.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários