A epopeia dos Youthless neste glorioso mundo moderno

Alex Klimovitsky e Sebastiano Ferranti são um duo português formado por um americano e um inglês. O seu primeiro álbum, This Glorious No Age, é um épico caleidoscópico que tenta fazer sentido do presente.

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A viagem é longa e tem múltiplas paragens. A viagem está recheada de pontos de referência, mas nem sempre devemos segui-los de forma literal. This Glorious No Age, anunciam os Youthless de Alex Klimovitsky e Sebastiano Ferranti, o primeiro americano, o segundo inglês, portugueses de território desde há muito. Vemos os títulos das canções: muito acontece desde os anos 1960 da folk psicadélico-mística dos Tyranossaurus Rex de Marc Bolan (Death of the Tyranossaurus Rex é o título da primeira canção) e o século  XXI dos Lucky Dragons, que baptizam a canção de despedida.

Passamos por Neu Wave Suicide, por Silver Apples, por Lightning Bolt, por High Places ou por Holy Ghost. Não devemos ler os títulos e as referências a duos, como duo são os Youthless, como equivalência à música criada - “são referências históricas importantes para nós”. This Glorious No Age é álbum conceptual, à prog-rock da década de 1970, feito com matéria do presente. E os Youthless são o que nasce do encontro entre Alex, o baterista e cantor que cria a narrativa, onde a vida pessoal se mistura com as ideias de Marshall McLuhan, e Sebastiano, o baixista e cientista sonoro que dá corpo ao mundo de ideias que desejam ser tornadas som.

Em This Glorious No Age coros luminosos pedindo sol sobrepõem-se a baixos e teclados fervilhando de electricidade, declaradamente nocturnos. Sente-se um frenesi de rave orgânica num momento para, no seguinte, ascendermos cosmos fora em space-rock inventado com matéria do novo milénio. Há catarse rock para pista de dança e manipulação sonora para fruir muito quieto, olhos fechados e auscultadores firmes nos ouvidos. “Sinto que vivemos actualmente completamente obcecados com o passado e hipnotizados pelo futuro. Tudo são projecções utópicas ou projecções apocalípticas”, analisa Alex Klimovitsky, sentado numa mesa de café a horas do concerto da apresentação lisboeta do álbum, no Musicbox. Vivemos, diz, entre o medo de uma III Guerra Mundial ou da morte do estado social e do caos económico, e o sonho de um futuro ecologicamente sustentável, próspero devido à evolução tecnológica, gloriosamente utópico.

Nos Youthless, o diálogo faz-se entre a música e a sociedade em volta, entre o íntimo e o global. E, por isso, Alex dirá: “Até aos anos 2000, cada década teve um carácter muito próprio. Foi assim nos anos 1970, 1980, 1990. O carácter deste tempo é o ‘no age’, uma era sem nenhum carácter específico. Tudo é 'corta e cola'. O pós-modernismo defendia a ideia de que, se tudo já tinha sido feito, então podemos recontextualizar. Este pós-pós-modernismo é um pós-modernismo ao calhas”, lamenta. “Sail on, tired heroes / Sail on, empty homes”, ouvimo-lo, logo no início do álbum. A viagem arranca.

Alex Klimovitsky e Sebastiano Ferranti conheceram-se na adolescência, nos anos 1990, quando eram ambos alunos do Instituto Espanhol em Lisboa. A música juntou-os nos Three And a Quarter, banda de algum protagonismo à época, naquela encruzilhada então muito em voga em que o ska se cruzava com o punk hardcore. Esse é um passado agora muito distante, com excepção da motivação inicial. “Quase todas as canções começam com uma linha de baixo do Sab”, como chama Alex ao companheiro de banda. “É muito visceral. Começámos a tocar juntos com 14 anos e o impulso era: ‘como é que se põe o pessoal aos pulos?’”. Isso não mudou. Quanto ao resto, os Youthless são toda uma outra e mais consequente aventura.

A colagem caleidoscópica que faz a capa do álbum representa-os bem. No álbum ouve-se o baixo distorcido dos Death From Above 1979, o neo-psicadelismo dançante dos MGMT, gritos viscerais saídos do punk, ambições pop saturadas de ruído electrónico e êxtase de electrónica feita para dançar – são absurdamente físicos, como confirmado no catártico concerto de apresentação no Musicbox, e um maná para os sentidos pelos mil sons colidindo em volume (desejavelmente) elevado.

Dois terços de This Glorious No Age, que após a edição portuguesa pela NOS Discos terá edição internacional pela britânica Club The Mammoth/Kartl Music Group, nasceram de uma improvisação de 40 minutos. “Tocámos tudo de seguida e resultou tão bem que pensámos fazer uma reedição do Telemachy em que incluíssemos o novo material”. Estávamos em 2011. Telemachy é o título do EP que haviam lançado dois anos antes. Acontece que, depois, Alex Klimovitsky sofreu uma arreliadora e perigosa lesão nas costas que o deixou impossibilitado de tocar durante demasiado tempo. Pela primeira vez em quase duas décadas, regressou a tempo inteiro a Nova Iorque, a cidade onde nasceu. Ouviu médicos dizerem-lhe que nunca mais poderia tocar, que quando tivesse filhos seria incapaz de lhes pegar ao colo, dada a gravidade da lesão que sofrera. Ouviu outros darem-lhes esperança: “Daqui a uns meses já poderás jogar rugby”.

Ouvindo uns e outros, lendo Marshall McLuhan e as suas ideias sobre a forma como nos relacionamos e como incorporamos a evolução tecnológica, sentindo como essa visão global da história humana podia ser vista em paralelo à sua própria experiência de vida, chegou à viagem que o álbum ilustra. “Sou eu a despedir-me do velho mundo, da minha vida até aquela altura”, resume. Sebastiano, por sua vez, dirá: “[Nos Youthless] cada um tem o seu espaço para fazer o que tem que fazer. Ele lê e aprofunda muito. Eu estou mais concentrado na componente tecnológica do som”.

A improvisação de 40 minutos foi crescendo. Sebastiano a gravar loops de ruído em volume tão alto que, quando saía do estúdio, era atacado por vertigens – essa camada sonora é, de resto, parte imprescindível da personalidade do álbum. Os Youthless a convidarem amigos como Francisca Cortesão (Minta & The Brook Trout, They’re Heading West), o baterista Chris Common (ex These Arms Are Snakes), os teclistas Francisco Ferreira (Capitão Fausto) e João “Shela” Pereira (ex-PAUS, Riding Pânico) e o produtor e teclista Duarte Ornelas para oferecerem os seus talentos à música que crescia em elementos e ataque sonoro.

This Glorious No Age a anunciar-se. Música de e para tempos de incerteza. Alex Klimovitsky: “O caminho de um mundo novo. Estamos fartos de todas estas incertezas, mas com muita vontade de ver o que está para vir”.

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